Guia da Semana




A primeira vez que pisou na avenida como puxador, foi na Camisa Verde e Branco, em 2000. De lá para cá, Carlos Júnior já acrescentou em seu currículo três títulos pelo grupo Especial: dois pelo Império da Casa Verde (2005, 2006) e o último ano passado, em sua estreia na Vai-Vai. Dono de uma voz inconfundível e um carisma fora do comum, faz parte da Elite do samba paulistano, que conta com intérpretes Darlan, Douglinhas e Vaguinhos, amigos e integrantes do Quesito Melodia. Embora não pretenda cantar por muito tempo na avenida, Carlão conta como é a missão de dar uma cara nova ao Carnaval de São Paulo.

Guia da Semana: Quais são as suas referências no samba?
Carlão: Sempre vejo falar nesses negócios de referências e fico procurando as minhas reais mesmo, porque a gente gosta de alguns cantores e compositores, mas sabemos que todo cantor tem um jeito de cantar, compor e tal. Arlindo Cruz foi minha referência, mas para a minha geração, no samba-enredo, o Neguinho da Beija-Flor é melhor que qualquer cantor. Gosto de poetas mais antigos como Cartola, Nelson Cavaquinho e curto também Chico Buarque.

Guia da Semana: Você tem algum truque para segurar a voz por tanto tempo no sambódromo?
Carlão: Vou falar para você, eu me trato muito, mesmo assim tenho muita dificuldade. Quanto mais o ano vai passando, sinto mais dificuldades, vou perdendo a potência, sou obeso e as dificuldades aumentam. Evito gelado, falar muito, sereno, faço tratamento com fonoaudióloga e otorrino. As pessoas não sabem, mas vivo de garganta inflamada e tomando remédio. Quando tem ensaio, procuro descansar o outro dia inteiro e tomar muita água. Há cinco anos fui no médico e o cara falou pra mim que duraria mais dois anos e só. Fui me tratar e durei mais, graças a Deus. Agora gasto minha voz para cantar, mas parece que hoje ela só serve para isso, não dá para falar muito. Esse é o meu tratamento.

Guia da Semana: De onde tira as suas inspirações na hora de escrever letras de samba?
Carlão: Tenho mais samba-enredo do que música "meio de ano", como falamos no samba. Depende do que você vai escrever. Prefiro o partido alto, mas essas coisas, hoje em dia, não são gravadas, pois nenhuma rádio aceita. São Paulo gosta muito da coisa que a gente chama de "mela cueca", que são composições românticas.

Guia da Semana: Nesses 10 anos, qual foi o seu melhor samba?
Carlão: O samba para o Camisa Verde e Branco, em 2002, que falava do "4". O Carnavalesco inventou uma história de tudo que tinha quatro, 4 elementos naturais, 4 pontos cardeiais, 4 fases da lua. Foi eleito o maior samba, a platéia do Anhembi caiu no samba e até hoje cantam no Camisa. Acho que o melhor samba é aquele que todo mundo canta. Quando passar as 14 escolas no Anhembi você vai saber qual é o melhor samba. Às vezes nem é o campeão. O Quesito Melodia consegue fazer o termômetro disso, porque cantamos todos os sambas e vemos qual que está sendo cantado pelo público. O samba do Rosas de 2008 é um que você canta na noite, todo mundo pula, grita. O samba da Vila Maria de 2008 também foi muito bom, se você cantar em um lugar cheio de sambistas, o pessoal cai dentro, seja Vai Vai ou Nenê - pode não cantar por birra - mas fica se mexendo. O samba bom é aquele que mexe com você e você nem percebe.



Guia da Semana: Quais as melhores escolas de samba de São Paulo?
Carlão: A Vai Vai e a Império da Casa Verde. A diferença da Vai Vai é que ela é uma escola tradicional e acabou pegando uma adoração na cidade muito grande, então consegue ter uma manifestação não só da escola, mas das pessoas do Carnaval que vão assistir e se envolvem com a Vai Vai. O Império é uma escola recente e nova e ainda tem muita coisa para mostrar para o público de São Paulo ainda. Hoje eu torço para o Vai Vai, porque é lógico que a gente sempre quer ganhar o Carnaval e quando estou em uma escola, visto a camisa mesmo. Agora tenho muito carinho pelo Camisa Verde e Branco, pois foi a escola que me formou, não só como cantor, mas como sambista.

Guia da Semana: É mais difícil compor para o samba carioca?
Carlão: Fui fazer esse teste lá, em uma visão de que tudo era panela. Conforme ganhamos em São Paulo, deixamos esse preconceito de lado. Mas lá realmente é mais difícil, pois as pessoas que trabalham dentro da escola de compositores são muito mais envolvidas com as comunidades. Então você necessita muito das comunidades, aquela coisa da torcida, de ter que bancar, investir, aqui em São Paulo é mais fácil você fazer isso, porque o retorno de São Paulo é menor, então o investimento é menor. Tive duas chances de ganhar o samba na Unidos Tijuca, nessas duas vezes que fui, teria condições, se tivesse um investimento maior. Na hora que precisou disso, tirei o pé do acelerador e pensei. "Aqui pra mim está bom!", e a gente acabou perdendo. Só o talento não basta, tem que ter conhecimento, trazer pessoas que vão te ajudar, não é só escrever e ir lá concorrer. Até porque você chega lá e tem 20 sambas, 16 lindos, mas para diferenciar eles observam quem tem mais tempo de casa, quem tem um trabalho melhor e traz uma torcida. Porque a eliminatória ajuda a escola na parte financeira, quinhentas pessoas de torcida que pagam um ingresso já é um caixa que a escola faz. Essas situações vão dando mais facilidade para você chegar.

Guia da Semana: Você ainda pretende trabalhar no Carnaval do Rio de Janeiro?
Carlão: Estou mais na posição de fã do Carnaval do Rio de Janeiro, assim, jamais me vejo como artista, no mesmo palco. Lá vou aprender muito e trago para cá. Tô muito tranqüilo aqui em São Paulo, os problemas já são grandes, e lá, por ser maior, devem ser triplicados. No Rio só quero apreciar, não me envolver.

Guia da Semana: Qual a diferença entre o samba paulista e carioca?
Carlão: O conceito e cultura são muito diferentes. Tento de alguma forma mudar essa cultura, é lógico que pode parecer pouco, pois o Carnaval é muito grande e as pessoas que trabalham nele, muito antigas. Fica difícil de mudar. A diferença se dá principalmente na palavra co-irmã, dela ser mais utilizada aqui em São Paulo. No Rio você consegue chegar com uma camiseta do Salgueiro dentro da Mangueira. Você vê o Neguinho da Beija Flor no dia do "esquenta" da escola cantando o hino da Mangueira. Aqui em São Paulo, se você faz isso, tá pedindo para passar dessa para outra. Porque a cultura de São Paulo é essa, a gente fala a palavra co-irmã, mas não consegue ver as outras escolas como co-irmãs de verdade, respeito mesmo. O exemplo disso são os dois comandos do Carnaval de São Paulo, Super-liga e Liga, a coisa mais absurda que existiu no Carnaval é resultado de uma cultura mal-feita, realizada pelo pessoal da Velha Guarda. As pessoas têm que se juntar para ver o Carnaval de São Paulo, não ver só de uma escola do coração. Vamos olhar para a estrutura, o evento, a história. É isso que difere o Rio de Janeiro de São Paulo, no Rio eles conseguiram passar por cima disso.




Guia da Semana: Isso justifica, em parte, o atraso do Carnaval paulista em relação ao carioca?
Carlão: Justifica, não só um pouco não. É muito atraso. Porque o Carnaval de São Paulo não cresceu, regrediu. Se você conversar com os Carnavalescos daqui eles vão falar que o Carnaval esse ano vai ser que nem o Campeonato Brasileiro, nivelado por baixo. Porque com isso dificultou a verba, a chegada de patrocinadores. O Rio de Janeiro vem buscar dinheiro aqui em São Paulo, e consegue. São Paulo não consegue, não tem acesso. O Carnaval paulista tem hoje uma emissora que é dita a maior do Brasil e como a gente não consegue trabalhar? Em Salvador e Porto Alegre eles não têm o apoio que a gente tem para divulgar o Carnaval e conquistam patrocinadores. Aqui não se consegue por incompetência.

Guia da Semana: O Quesito vem nessa idéia de querer mudar essa história?
Carlão: A gente já vinha discutindo isso com alguns interpretes, lógico que podemos não resolver todos os problemas, mas temos o microfone na mão e podemos trazer pessoas do Carnaval. Inclusive estamos fazendo um jornal informativo para falar sobre isso, com crítica construtiva, não queremos tocar fogo na lenha nem arrumar confusão com ninguém. Daqui a pouco vou parar, o Vaguinho e Douglinhas também, já que ralaram pra caramba. Pra isso que a gente está olhando para ajudar a comunidade e fazer o Carnaval de São Paulo crescer como cresceu o do Rio de Janeiro.


Guia da Semana: Você prefere trabalhar em uma escola mais jovem ou uma com mais tradição?
Carlão: No nosso caso a gente não pode opinar, mas acho que o momento é a Vai Vai, que ganhou um Carnaval e, até que se tenha uma outra campeã, a Vai Vai leva vantagem. A escola está em um momento bom, com uma diretoria nova. Tudo depende também de como está a escola internamente. O Império teve um problema de saída de várias pessoas que trabalhavam, uma equipe que se desfez, teve que montar uma outra equipe. Quando você chega em uma casa onde todo mundo trabalha direitinho, acaba se dando melhor. No meu caso, acho que hoje estou melhor aqui porque tem uma equipe boa para trabalhar. Agora a gente não sabe o outro ano como vai ser.

Guia da Semana: Dá para viver de samba em São Paulo?
Carlão: Olha, eu vivo de samba em São Paulo há seis anos, desde que saí do Camisa. Mas não dá, é uma loucura! Consigo viver só com a força de Deus. Entrei nessa em um momento de dificuldade, sem nenhuma coisa para fazer. Pretendo que isso vire uma profissão, como no Rio de Janeiro, com Neguinho e Jamelão, mas aqui ainda não dá pra ser. De 100% das escolas, 30% têm condições de bancar uma estrutura, de pagar um cantor e contratar mesmo. Fui conseguir isso só na Vai Vai. Eu tinha no Império uma estrutura de pagamento, mas era uma coisa boca-a-boca, que foi a causa da minha saída de lá. Mas de 14 intérpretes, 3 ou 4 conseguem sobreviver, para o resto é só uma ajuda de custo.



Guia da Semana: Qual é a média salarial de um intérprete no Carnaval?
Carlão: A média é de 20 mil. É muito pouco para quem trabalha quase todo ano e recebe o pagamento, por muitas vezes, frustrado.

Guia da Semana: Qual é a importância do time de canto?
Carlão: Antigamente não tinha, mas hoje ajuda na consistência, para você respirar. É ele que vai passar todas as divisões do samba para o público. A importância maior do time de canto é que ele vai dar consistência para o intérprete interagir com o público. Naquele momento em que você deixa de cantar o samba para chamar as baianas, o povo, tem uma base que não deixa você perder o andamento do samba, a letra, a parte melódica. Hoje é muito importante para o enriquecimento da melodia, ter cantores diferenciados enchendo a sua voz.

Guia da Semana: Você pretende continuar por mais quanto tempo como intérprete de escola de samba?
Carlão: Isso é uma questão orgânica. Hoje sinto, não só pela garganta, mas pela paciência, que o samba em mim já está se esgotando, minha relação com os dirigentes também. Vejo pelos meus amigos, Vaguinho tem 20 anos, Aguinaldo também, mas ninguém fez uma festa de comemoração em sua homenagem. Lá no Rio, o Jamelão morreu, mas persiste o respeito assim como é o tratamento com o Neguinho da Beija Flor. Quero sair sem me frustrar, por isso pretendo ficar por mais cinco anos e fazer um pé de meia. Daí sim, assisto o Carnaval da arquibancada!

Foto: Gabriel Oliveira


Atualizado em 6 Set 2011.