Guia da Semana

Foto: Sxc.hu

Ao amanhecer do dia primeiro de janeiro de 2009, casas, clubes e outros lugares onde se festejaram a passagem do ano, com marchas e sambas carnavalescos, encerraram com alegria o rito de passagem do ano novo e anunciaram o próximo grande evento, o maior espetáculo da terra: o Carnaval. Essa festa, que não é exclusividade nossa, existe no continente americano sob diversas formas, nos lugares e de dominação católica, onde o negro foi escravo. É a partir de agora que o folião carnavalesco pode pensar em brincar. O espaço não é mais o desfile das escolas de samba. O que torna gostoso brincar nos ensaios é a relação entre as pessoas. Ali, você pode encontrar amigos, parentes, vizinhos e cantar sambas que no foram cantados no máximo duas vezes na avenida (isso se a escola participou do desfile das campeãs, senão é uma única vez).

O carnaval saiu das mãos do povo para se tornar profissional. Caiu por terra o prazer da brincadeira. Hoje tudo é profissional, os carros alegóricos, que antes eram feitos pela comunidade, hoje são construídos por mãos habilidosas trazidas de Parintins. As costureiras precisam ter o apuro de quem faz roupa de alta costura e, portanto, ser mais profissionais. Os atuais compositores trocaram o prazer de ver o samba cantado pelos direitos autorais. Nada contra. É um direito que deve ser exercido, mas o mote da composição não deve ser visando o dinheiro e sim a alegria de cantar. Lembro aqui de Talismã, Zeca da Casa Verde, Toniquinho Batuqueiro e Geraldo Filme, que terão seus sambas sempre lembrados, enquanto os que fizeram da arte de compor um negócio só são conhecidos no dia do desfile. Depois desaparecem.

Quando o estado, seja municipal, estadual ou federal, começa a interferir nas manifestações culturais espontâneas, começa o artificialismo. Quando o então prefeito de São Paulo, Faria Lima, oficializou o carnaval da cidade a pedido das agremiações carnavalescas, ele fez com que elas criassem um estatuto. Era urgente a criação do estatuto para que o desfile de 1968 fosse oficializado. Na urgência, as escolas de samba copiaram o estatuto do carnaval do Rio de Janeiro, considerado um exemplo. É aí que o artificialismo se instaura. Ao copiar o estatuto das escolas de samba do Rio de Janeiro, desapareceram os cordões carnavalescos que são tipicamente paulistas e no seu lugar surgiram as escolas de samba.

Já existiam escolas de samba em São Paulo, mas a maioria das agremiações eram cordões. Ao deixar de ser cordão, a porta-estandarte se transforma em porta-bandeira, o baliza se transforma em mestre-sala e são criadas as alas das baianas. O cordão que se divertia percorrendo a cidade, sem rumo certo, teve a partir daí, lugar e hora marcada para desfilar, ao se transformar em escola de samba. Para o folião de escola de samba dos quatro dias de carnaval, ele tem um pouco mais de uma hora e alguns metros para se divertir. Vou usar aqui uma das várias teorias que existem sobre a dominação de Roma sobre a Grécia: o Estado tem medo da alegria do povo. A alegria derruba o Estado e por isso precisa ser controlada. A partir daí criou-se o sambódromo.

Ainda há um pequeno momento para ver as escolas brincarem na avenida e esse momento se dá nos ensaios técnicos no Sambódromo, onde sem o compromisso de vencer, o desfile se solta cantando na avenida, fazendo daquele momento uma alegria, mesmo sob o comando rígido do diretor de harmonia.

Por isso vamos visitar os ensaios, onde o samba corre livre, leve e solto.

Leia colunas anteriores de Lázaro Oliveira:

? O jazz de Dianne Schuur


? A velha guarda e o mistério de seu samba


? O show de Roberto e Caetano para Tom Jobim


Quem é a colunista: Lázaro Oliveira, jornalista. Trabalha no Vitrine e no Entrelinhas, ambos na TV Cultura

Pecado gastronômico: Comida japonesa ou cozinhar o que tem vontade para a família e amigos

Melhor lugar do Brasil: Quando não em casa, a bela cidade de Paraty!

Como falar com ele: [email protected]




Atualizado em 6 Set 2011.