Guia da Semana

Foto: Gabriel Oliveira


Ao som dos ritmistas da comunidade, Darlan comanda o caldeirão de alegria na quadra da escola de samba da Rosas de Ouro, localizada na Freguesia do Ó, zona norte da capital paulista. Além da presença marcante na escola, Darlan também é integrante do conjunto Quesito Melodia, grupo que canta o sambas-enredos mais tradicionais da nata carnavalesca paulistana. Confira abaixo a entrevista, na qual o fala sobre a folia em São Paulo, rivalidade entre escolas e referências de peso, como Royce do Cavaco e Jackson Martins.

Guia da Semana: Como você começou no samba?

Darlan: A minha família já estava imersa no Carnaval, eles são praticamente fundadores da Tom Maior. Então, em 1988, eu comecei na bateria da Tom Maior, como ritmista e fiquei na escola até 1998, quando comecei a interpretar e a fazer samba-enredo. Em 2004, eu saí da Tom Maior e fui para a Vila Maria, como intérprete oficial. Cantei na Vila durante um ano e me transferi para a Rosas de Ouro em 2005.

Guia da Semana: Qual é a diferença entre cantar em uma escola do Grupo de Acesso e uma no Grupo Especial?

Darlan: A responsabilidade é muito maior, não que não exista no Grupo de Acesso, mas a cobrança é diferente. Eu estava no Tom Maior desde que a escola era Grupo 2, nem era Grupo de Acesso e a gente foi levantando a escola. É como um time de futebol, você cria um amor, é emocionante cantar e defender a escola que você gosta. A diferença foi que, quando eu mudei para a Vila Maria saiu de cena o lado do coração e eu ganhei profissionalismo. Isso traz uma atitude diferente, afinal é uma escola que já tem mais de 50 anos de tradição e lá a comunidade é bem participativa, cobra mesmo. Mas, graças a Deus, sempre fui muito bem recebido na Vila Maria, principalmente pela ala de baianas e pela velha guarda, eles me adotaram como um filho.

Guia da Semana: Atualmente, você consegue viver só do samba?

Darlan: Sim, o mercado de intérprete está bem inflacionado. Por exemplo, se um intérprete cantar em seis escolas durante as eliminatórias de samba-enredo (que dura cerca de três meses) dá para pegar uma grana legal. O cachê varia, mas tem cantores que ganham até R$ 500,00 por eliminatória. Ou então, o compositor fecha um pacote e dá um determinado valor para o intérprete defender o samba. Isso é legal porque valoriza o trabalho do intérprete. O compositor precisa de um cara que empolgue: um Carlão (intérprete da Vai-Vai), um Tinga (da Vila Isabel), um Daniel Colete (X-9), por exemplo. Eu já vi vários sambas que não eram extraordinários, mas que, ao cair na mão de um cara desses, foi campeão. O carnaval já começa com competição desde as eliminatórias do samba-enredo. Para você ganhar tem que investir pesado. Já vi gente gastando uns R$ 20 mil em eliminatória. No Rio de Janeiro tem gente que gasta uns R$ 60, até 80 mil para pelo menos estar entre os grandes. Se você for ver, a premiação em São Paulo praticamente não arca os custos que você tem com o Carnaval. No Rio você tem quase R$ 300 mil se ganhar um samba. Em São Paulo dá cerca de R$ 15 mil e, se você voltar com as campeãs, ganha mais R$ 5 mil. Aqui, o cara faz porque gosta mesmo, se bobear ele gasta mais do que ganha.


Foto: Gabriel Oliveira



Guia da Semana: Qual é a principal diferença entre o Carnaval de São Paulo e o do Rio de Janeiro?

Darlan: A diferença é a cultura. A carioca é totalmente diferente da paulista. O Rio vive para o Carnaval. A cidade ganha muito com a festa, consegue gerar emprego, mesmo que informal, fatura com o turismo internacional e tem apoio em peso da mídia. Em São Paulo o Carnaval não tem esse status, aqui as escolas fazem um desfile R$ 600 mil, no Rio você pode gastar até R$ 4 milhões. Teve um ano em que a Mangueira conseguiu R$ 5 milhões de patrocínio. Aqui é muito mais difícil alguém investir R$ 5 milhões em uma escola de samba.

Guia da Semana: O que você acha que falta para São Paulo se igualar?

Darlan: Falta união. Em São Paulo não existe a tradição de cantar o samba de uma outra escola, por exemplo. Eu ainda luto contra isso com os meninos do Quesito Melodia. Lá no Rio você vai na Viradouro, por exemplo, e encontra os puxadores de outras agremiações. Para eles é uma honra receberem um cantor de outra escola e poder cantar um samba da comunidade deles. Já em São Paulo a rivalidade chega a beirar o fanatismo.

Guia da Semana: Como você vê a divisão entre a Liga e a Super Liga das Escolas de Samba de São Paulo?

Darlan: Eu sou totalmente contra. Eu conheço o Carnaval com todo mundo junto. O que está acontecendo é uma briga de ego, é pura vaidade. Acho que os dirigentes do Carnaval tinham que pensar em uma palavra muito importante: união. Se você não conseguir unir o carnaval ele não vai crescer nunca e a gente vai ficar atrás do Rio de Janeiro para sempre. Com essa decisão de dividir em Liga e Super Liga o desenvolvimento do Carnaval regrediu uns dez anos. Para quem é sambista, quem gosta de samba, é muito triste ver esta situação.

Guia da Semana: Quais são as suas principais referências no samba?

Darlan: Bom, tirando as pessoas que já são hors concour, como Neguinho da Beija-Flor, Jamelão e Dominguinhos, a minha principal referência é um cara que se chama Jackson Martins, que era da Caprichosos de Pilares. Mas em São Paulo, a nossa maior influência é, sem dúvida, o Royce do Cavaco. Ele é um dos mais vitoriosos, mais técnicos e mais afinados cantores de samba-enredo. Antes dele tem muita gente, o Armando da Mangueira, o Dom Marcos, a Eliane de Lima, a Bernadete, o Aguinaldo Amaral... Mas a referência paulistana é o Royce.

Foto: Gabriel Oliveira


Guia da Semana: Como é a sua vida fora das quadras?

Darlan: Eu faço bastante coisa, graças a Deus. Canto com os rapazes do Quesito Melodia e agora eu estou começando a escolher o repertório para o meu novo projeto, o Supernova. É algo totalmente diferente do que eu faço, é mais puxado para a MPB, com regravações de algumas músicas, mas tudo sem sair do universo do samba.

Guia da Semana: Qual o truque que você usar para aguentar a voz durante o desfile todo?

Darlan: Eu tenho muito cuidado. Por exemplo, não tomo gelado depois de cantar. Também tento dormir bastante porque o cantor de samba-enredo tem um desgaste muito grande nas cordas vocais. Aquela coisa de puxador que cantava e ia para a noite já acabou. Se você quiser ser um grande cantor e empolgar a sua escola no ensaio ou na avenida você tem que ter responsabilidade e profissionalismo.

Guia da Semana: Os momentos que antecedem a entrada da escola na avenida são decisivos e podem garantir o título. Como você anima o pessoal e mantém a calma antes da escola desfilar?

Darlan: Não tem jeito, na avenida é adrenalina pura. Você tem que fazer o componente acreditar que ele pode dar um passo muito importante para a história do Carnaval da escola dele. Ele é tão importante quanto o cantor, porque o cara que está lá embaixo também é julgado, seja na evolução ou na harmonia. Ao puxar o samba, você tem que fazer a escola cantar, trazer alegria para o povo. Mas isso não é difícil, porque quando o folião coloca a fantasia ele adquire uma postura diferente. Você espera o ano inteiro e tudo acaba em uma hora na avenida. No caso do folião, ele fica só 25 minutos desfilando. Então, ele aproveita ao máximo, o folião sente a responsabilidade de trazer o título para a escola, com sua garra, seu sorriso, sua emoção. Na verdade, o Carnaval, com toda a sua grandeza, consegue te prender. Ele faz você chorar, faz você sorrir. O Carnaval vicia. Se você desfilar alguma vez, as chances de você querer voltar para a avenida no ano que vem é de 90%, porque o Carnaval é emocionante!

Atualizado em 6 Set 2011.