Guia da Semana

Antes de tudo, por motivos óbvios, este texto foi feito para quem não conhece o que foi (ou o que é) o Clube da Esquina. Não tem como eu, nessa altura do campeonato, tentar passar para alguém que já conheça o disco algo de relevante após 36 anos. Ainda mais com a quantidade de matérias, entrevistas, livros e até mesmo seu próprio museu. E isso aqui vai ser só o resumo do resumo.

Então vamos lá, primeiro visualize aquela imagem típica do mineiro-caipira quietinho, de vida descomplicada, que tem uma resposta simples pra qualquer indagação existente na face da Terra; aquela coisa de você pedir uma informação na estrada e ele responder com um "é logo ali". Tá, guarde essa imagem aí.

Milton Nascimento & Lô Borges - Clube da Esquina (1972)

Atenção: O (disco) Clube da Esquina não representa o início de movimento nenhum. Ele é o fruto de toda uma época, e de um pensamento artístico em comum entre os artistas de Belo Horizonte, tendo como epicentro a esquina da Divinópolis com a Paraisópolis. Milton Nascimento era a figura principal e - assim como outros nomes como Wagner Tiso, Tavito e Toninho Horta - já possuia uma carreira musical e um certo respeito da classe artística.

Porém, Milton decidiu chamar o então jovem (na época com 19 anos) Lô Borges para ir até o Rio de Janeiro gravar um disco. Lô, por sua vez, decide chamar o seu amigo Beto Guedes (os motivos vão de influências musicais similares até um pedido da própria mãe). Esses três, com a ajuda do pessoal já citado anteriormente, apresentam em 1972 uma nova sonoridade na música brasileira, a junção de diferentes estilos como o rock progressivo, folk, bossa nova e o jazz, acabando em algo único e, comprovadamente, atemporal. Um disco perfeito, integrante de várias listas dos melhores de todos os tempos (tanto no Brasil como no exterior).

Som Imaginário - Som Imaginário (1970)

Como havia dito, o Clube da Esquina não pode ser considerado o início de um movimento musical, talvez (TALVEZ) possa ser considerado o ápice. Dois anos antes do Clube foi lançado o primeiro disco do Som Imaginário, na época a banda de apoio de Milton Nascimento, formada por, entre outros, Zé Rodrix, Wagner Tiso, Tavito e Robertinho.

Nesse disco (não tão conhecido do grande público) pode-se notar a já forte influência do rock progressivo no som dos mineiros, e o jeito próprio de criar algo "brasileiro" desse estilo (ok, os irmãos Sergio Dias e Arnaldo Baptista fizeram a mesma coisa, porém com um resultado bem diferente). Os violões do início de Super-God fazem lembrar Dos Cruces, além da presença de Feira Moderna, composição de Lô & Beto Guedes.

Lô Borges - A Via-Láctea (1979) e Beto Guedes - A Página do Relampago Elétrico (1977)

Relembrando: Quando Clube da Esquina foi lançado, Lô e Beto tinham na faixa dos 19 anos. Saíram da conhecida Belo Horizonte, do convívo da família e dos amigos e foram parar num Rio de Janeiro caótico dos anos da ditadura militar. Com um violão na mão. Tocando rock. E, ao contrário de Caetano e os Tropicalistas, eles não queriam criar polêmicas ou tomar partido de algo. Só queriam ficar no canto deles compondo e tocando. Devia ser meio difícil.

Então após 1972, Lô Borges (que alem do Clube, havia lançado seu primeiro disco solo, o famoso "disco do tênis") parte pra uma viagem por todo o Brasil, pedindo carona nas estradas. Beto, por sua vez, volta a encontrar os velhos amigos mineiros, e com eles faz novas composições. Em 1977, divulga seu primeiro disco solo, e entre seus parceiros agora também aparece o nome de Flávio Venturini (d´O Terço e 14-Bis). Um lindo disco, que só foi possível graças a esse tempo de amadurecimento.

Faixas como Choveu, Lumiar e Nascente mostram que além da ousadia nas harmonias e a mistura de influências ainda estarem presentes nele, o público pode finalmente descobrir o talento de Beto Guedes como cantor. Um pouco mais tarde, em 1979, Lô Borges retorna com a obra-prima A Via-Láctea, um disco que, assim como o Clube, é obrigatório. Músicas como Vento de Maio, A Olho Nu, além da faixa-título mostram o porquê.

Milton Nascimento - Clube da Esquina 2 (1978)

Para ser bem sincero, esse é o disco que eu menos gosto daquela época (pelo menos no momento). O que não quer dizer que o disco seja ruim, longe disso. A concorrência é que foi forte mesmo. É um disco com belas músicas e participação de nomes como Chico Buarque, Elis Regina e Azymuth. É importante por representar (mais ou menos) o fim de uma época. As diferentes sonoridades que foram concentradas em 1972 acabaram se espalhando nos anos 80. Todos acabaram seguindo o seu próprio caminho, e a esquina da Divinópolis com a Paraisópolis não estava mais no roteiro.

Talvez pra você poder compreender o que foi o Clube, seja necessário mais tempo. Conhecer outros personagens que fizeram parte, entender a mudança que isso causou na música brasileira, quando ele realmente surgiu, quando terminou (se é que ele terminou).

Ou não precisa de nada disso. Lembram do mineiro, do "logo ali", do descomplicado? Lô Borges disse uma vez que "o Clube da Esquina nunca pretendeu ser movimento. A Tropicália tem toda uma estética em artes plásticas, música, cinema... Se você me perguntar o que foi o Clube da Esquina, respondo: foram dois discos, num dos quais estou envolvido desde o dedão do pé até o cabelo, e várias pessoas". As coisas costumam ser simples, a gente que aumenta demais.


Quem é o colunista: Daniel Monteiro
O que faz: baixista da banda Os Telepatas e proto-sommelier.
Pecado gastronômico: pastel de frango com catupiry
Melhor lugar do Brasil: Uma casa no campo onde eu possa plantar meus amigos, meus discos e livros
Fale com ele: [email protected]



Atualizado em 6 Set 2011.