Guia da Semana



Alvo de polêmicas sem fim, a indústria fonográfica tem se debatido nos últimos anos à procura da melhor maneira de sanar o estrago causado pelo avanço desenfreado da internet e seus programas de compartilhamento de músicas. Teses e hipóteses pululam e giram em falso, enquanto é cada vez mais difícil coibir o vazamento de grandes lançamentos antes que cheguem às prateleiras das lojas.

Embora tenha causado um frisson retumbante o anúncio de que o novo álbum do Radiohead, In Rainbows, seria comercializado inicialmente por meio da web pelo preço que o comprador escolhesse (de 0 a 100 libras), a estratégia causa mais impacto pela ousadia dos ingleses do que pela originalidade da idéia, já que até no Brasil houve casos semelhantes, como o prova o disco Ponto Qualquer Coisa, dos Raimundos.

Passos à frente

Em pouco mais de uma década, o Radiohead reconfigurou o cenário rock de maneira irreversível, lançando obras-primas que conquistaram a reverência definitiva da crítica internacional e dos fãs da boa música. Longe de ser um fenômeno da mídia e pouco disposto a dar a cara a bater na televisão, o quinteto ofereceu ao mundo um dos álbuns mais aclamados da história, o lendário OK Computer, que logo se tornou um dos marcos dos anos 90.

Último trabalho do grupo antes de In Rainbows, Hail To The Thief, já não se mostrava um álbum tão vigoroso quanto seus antecessores. Ainda que trouxesse ótimas faixas, como A Wolf At The Door e There, There, o conjunto da obra era comprometido pela pantomima politicamente correta que tem afetado tantos artistas, enviesando constantemente pela já surrada panfletagem contra o governo Bush.

Material completo de In Rainbows
Por vezes, tem-se a nítida impressão de que o vocalista Thom Yorke erigiu uma ponte entre seus dois últimos discos, ao menos no lirismo que ambos dividem. As semelhanças saltam os olhos em canções como Weird Fishes/Arpeggi e 15 Step, alastrando-se em menor intensidade e diferentes formas pelas demais faixas do álbum. Esmiuçadas incansavelmente pela imprensa dos quatro cantos do planeta, suas faixas primam não tanto pela originalidade, quanto pelo potencial em remeter a todo o legado do quinteto sem soar repetitivas e datadas.

Veneração

Todo o culto que circunda um lançamento do Radiohead é justificado pelas sucessivas inovações cunhadas pelos ingleses nos últimos anos. Entretanto, é difícil aceitar o clima quase sobrenatural que embala as críticas de In Rainbows. Positivos ou negativos, os veredictos sobre a nova empreitada dos ingleses caem sempre nos mesmos pastiches, restando observações óbvias sobre experimentalismos com um pé na vanguarda, quando não se discursa sobre ruídos, fragmentos sonoros e toda sorte de delírios abarcados pelas canções. Ou seja, nada de especial quando o assunto é Radiohead. Um grande disco de rock ´n´ roll para boa parte da imprensa e dos fãs da banda não é mais o suficiente. Eles aguardam, na verdade, outro clássico, um divisor de águas com suas Idioteques, Paranoid Androids e Creeps.

A proposta de não haver intermediário entre o artista e o público é salutar quando se tem em mente que nem todos podem bancar, como o Radiohead, a mão-de-obra envolvida na concepção de um álbum de qualidade. Para dar vida a In Rainbows, a banda de Thom Yorke lançou mão dos melhores profissionais disponíveis, não economizando em estúdio e equipamentos de som e mixagem, algo que músicos de calibre médio não podem viabilizar sem uma gravadora por trás.

Yorke: modelando o rock contemporâneo
Se para os iniciantes ou menos ousados a idéia do Radiohead é um tanto quanto arriscada, para a banda inglesa a tacada foi arrematadora. Calcula-se que quase dois milhões de usuários baixaram o álbum pela internet, causando uma pane no site que o deixou fora do ar por algumas horas. Em média, os fãs despenderam US$ 8.00 (cerca de R$ 18,00) pelas faixas, que chegaram a suas caixas de e-mail por meio de um link. Descontando impostos aqui e acolá, praticamente toda a renda líquida do álbum escoou para os bolsos de seus integrantes - um lucro nada modesto, adornado, de quebra, pela fama empreendedora que lhes foi dada.

Com as dez músicas do chamado lado A disponíveis para download, o que levaria um fã a investir 40 libras (R$ 150,00 aproximadamente) no álbum propriamente dito, também à venda no site? A resposta pode ser o formato de luxo, que traz além do CD, um vinil duplo, mais um álbum com faixas que não entraram na versão original e o encarte produzido por Stanley Donwood, artista que trabalha com o Radiohead há tempos.

Seduzidos pela possibilidade praticamente irrestrita de baixar discografias inteiras pela internet sem custo, é cada vez maior o número de usuários que desprezam o produto final. No caso do Radiohead, perde-se a arte do trabalho, ilustrações preciosas conduzidas por Donwood e já celebrizadas em Amnesiac e Hail To Thief. Capa e encarte são mais do que atrativos para fisgar os mais fãs mais dedicados, revelam-se uma própria extensão álbum, muitas vezes indissociável.



Atualizado em 6 Set 2011.