Guia da Semana

Foto: Gabriel Oliveira


Às vésperas de seu aniversário de 70 anos, Jair Rodrigues já acumula nada menos que 48 discos gravados. Um deles traz o primeiro rap brasileiro em uma de suas faixas. O Cachorrão (apenas para os íntimos) também transitou entre o hip-hop, o forró e o sertanejo, sem nunca perder o molejo do samba, que considera sua raiz. Nada mal para esse filho de Igarapé, alçado dos bares do interior paulista ao posto de ícone da MPB.

Foi com seu bom humor característico que Jair abriu as portas de seu sítio, chamado carinhosamente de paraíso terrestre, cheio de vontade e alegria, como se fosse o menino de 50 anos atrás. Entre um cafezinho e outro, com passarinhos cantando ao fundo e a batucada comendo solta na mesa de madeira, ele falou sobre a produção do DVD de meio século como músico e relatou algumas histórias da sua vida e do samba, que na sua opinião, não é paulista, nem carioca, mas simplesmente brasileiro.

Preparativos

Guia da Semana: No dia 6 de fevereiro você vai chamar algumas pessoas que fizeram parte dessa sua trajetória de 50 anos de carreira. Como foi essa seleção?
Jair Rodrigues:
A gente quis fazer uma coisa histórica, uma espécie de Song Book. Repensei os meus sucessos e os artistas que participaram disso. Alguns não puderam participar por compromisso, como Wando, Marcelo D2 e Benito de Paula, mas não vou deixar de cantar as canções que estavam planejada para eles.

Guia da Semana: Quem são os convidados e quais são as músicas?
Jair:
O primeiro foi o negão, Pelé, porque já me deu duas composições: Recado à criança e Cidade Grande. Convidei o Jorge Aragão, pela gravação da Coisinha do Pai que fiz com Elba Ramalho, Malandro e Vou Festejar. O Pedro Mariano cantará um poup-pourri de samba, que fiz no Dois na Bossa 2 . Também tem algumas canções com Jairzinho e a Luciana, que vai cantar uma canção que a Elis fez para mim ( Upâ Neguinho). O Chitãozinho & Xororó cantarão a Majestade o Sabiá. Além disso, tem a participação da Alcione, Wilson Simoninha, Max de Castro e Rapping Hood, fora outros artistas que estarão na fila do gargarejo para agitar.

Guia da Semana: Você escolheu como tema do show o nome samba-enredo da Salgueiro de 71. Como foi que isso aconteceu?
Jair:
O produtor Manuel Barembem estava conversando comigo, no impasse de achar um nome. Aí a minha mulher falou: "Coloca Festa para um rei negro". O cara ficou gostou e ficou louco na hora. Eu até pensei que poderia ficar preconceituoso, porque tem sempre aquele besta que acha que é uma coisa racista. Mas aí o Jairzinho e a Luciana conversaram comigo e tiraram esse grilo. Esse título da Salgueiro era o original, mas foi substituído pelo Pega no Ganzé, Pega no Ganzá, que era o subtítulo e acabou pegando.

Foto: Gabriel Oliveira
A irreverência e o ritmo do samba ainda estão presentes no seu dia-a-dia.


Guia da Semana: E como está o Jair Rodrigues depois de toda essa história de vida?
Jair:
Eu graças a Deus aprendi bastante, né nego? No começo é difícil, porque você tem que ouvir muito e falar pouco. A primeira que ouvi foi a minha velha mãe, Ana Conceição, que faleceu em 1987. Era minha fã mais ardorosa, que me ensinou tudo na vida. Hoje, se não for o homem mais feliz do mundo, sou um deles. Tudo que uma pessoa precisa para ser feliz, Deus me deu. Primeiro a carreira, depois minha mulher com dois filhos maravilhosos. De lição, levo que a vida é um eterno aprendizado, você nunca sabe tudo, mas tem sempre que aprender alguma coisa ou muita coisa. No fim de tudo, contrario o velho ditado e acho que Deus escreve certo por linhas certas.

Retrospectiva

Guia da Semana: Qual foi a música mais importante em sua carreira?
Jair:
A Disparada. Ela foi um divisor de águas e a música da minha vida, porque quando cantava na noite, cantava de tudo. A partir da hora que gravei o meu disco, queria fazer uma diversificação de ritmo. Embora soubesse que o ritmo que está dentro de mim é samba, queria seguir o mesmo rumo de Augustinho dos Santos, Maysa, Dalva de Oliveira, Eliseth Cardoso e a própria Elis, que surgiu cantando de tudo. Queria ter as músicas do meio de ano, mas quando aparecia o carnaval, queria fazer sucesso com as minhas também. Cada vez que ia gravar um disco, os produtores queriam que fizesse um ritmo só. Quando lancei Disparada e virou sucesso, liberou geral véio. É uma mistura de música sertaneja, toada e baião.

Guia da Semana: Como foi essa história de colocar o ´laiá, laiá´ dentro da música do Paulinho da Viola, Foi um rio que passou em minha vida. Ele já falou que não tinha esse trecho...
Jair:
Isso mesmo rapaz. Quando Paulinho gravou essa música eu era o rei do ´la, laia´, colocando em diversos sambas meus. Aí eu fui gravar a canção e encaixei no samba. O Paulinho há quatro meses, fez um show em uma casa e foi cantar a música. "Foi um rio que passou em minha vida, e meu coração se deixou levar...", quando foi repetir o refrão, o público emendou. "Laiá, laiá, laiá, laiá...". Ele foi ao camarim e ironizou: "Eu devia ter posto você como um dos autores também, porque foi você que inventou esse ´laiá´". Respondi brincando: "Por quê não colocou?". Depois falei que era uma coisa minha, que não adianta.

Guia da Semana: De onde você tirou esse improviso?
Jair:
Todo esse improviso, meu irmão, é na noite ou na vivência que você aprende. Já com dez anos de carreira, cantando na noite, me deparava com esses caras, fumando charuto, bebendo, falando alto. Tem artista que está fazendo show e quando vê alguém dançar, não pode falar em um tom mais alto. Comigo não. Quem quiser se mexer e falar, que fique à vontade. Quantas vezes estou fazendo um show em praça pública e me chama atenção o cara lá no meio do público, que não te aplaude, não dá risada, não canta e não bate palma. Aí eu dou um jeito para ficar olhando e paro a música para falar: "Você aí, tá parado e não faz nada, tá com raiva ou tá apaixonado por mim, meu irmão?". Ele e o público morrem de rir.

Guia da Semana: Com esse tempo todo, não cansa repetir o mesmo gesto (das mãos em Deixa isso pra lá) em todos os lugares?
Jair:
Sabe que acontece comigo uma coisa engraçada. Qualquer música que os caras pedem que eu cante, eles fazem o gesto do Deixa isso pra lá. É incrível rapaz, uma marca registrada. Falam: "Ei Jair! Prepara o seu coração (gesticulando)... Tô indo agora pra um lugar todinho meu (gesticulando novamente)...". Eu comento "tudo bem, vai fundo!". Esse gesto virou uma marca registrada em todas as minhas músicas.

Foto: Gabriel Oliveira
Na sua chácara, costuma caminhar e ficar na sauna diariamente.


Hoje

Guia da Semana: A música brasileira mudou muito nesses anos?
Jair:
Eu não sou a favor desse negócio de dizer que não se faz músicas como antigamente. Tem muita gente fazendo, só não tem oportunidade. As gravadoras procuram as canções sem letras e música, fica somente no refrão e vamos embora. Nos próprios sambas-enredo, estão procurando mais o refrão do que a letra. Nesses 50 anos que viajo por esse Brasil, vejo muita coisa, mas falta oportunidade.

Guia da Semana: Chico Buarque, Caetano Veloso, você... Artistas costumavam mobilizar multidões no passado. Há grandes expoentes na nova geração? Ou tudo está mais segmentado?
Jair:
Até tem grandes expoentes, mas pela falta de grana ou mesmo mídia, estão fazendo o outro lado da coisa, meio passageira, para sobreviver. Tem muita gente boa nego, mas acho que o que está faltando são os grandes musicais dos anos 60/70. A não ser o Raul Gil, que ajuda os calouros que estão começando, não existe outros apresentadores que invistam nisso na Já passou da hora, o pessoal está entrosado, sabendo como fazer um festival. Tem que fazer em todas as capitais, não só na região Sul-Sudeste.

Guia da Semana: Comparando o Brasil com países do exterior, você sente diferença na aceitação da música popular brasileira?
Jair:
Acho que fora tem uma valorização maior, assim como os estrangeiros que vêm de lá. Quando vem a Madona e o Elton John, tem toda aquela parafernália. Quando os nossos artistas vão fazer um show, falta muita coisa e não dá para apresentar um bom trabalho. Não estou falando por mim, mas aqui, quando o artista sai da televisão, o povo logo esquece. No exterior, você pode passar 20 anos sem ir que o povo não esquece. Lá fora, quem mais lembra dos artistas brasileiros são os próprios brasileiros erradicados.

Guia da Semana: Como é trabalhar com seus filhos em discos?
Jair:
No princípio eu não gostava muito de me apresentar com eles e acho que eles também não. Tinham uma necessidade muito grande de criar uma identidade própria. Na época eu era o Jair Rodrigues. Depois acabei virando o pai do Jairzinho e da Luciana Melo. Por isso que preferimos deixar cada um com um sobrenome artístico diferente (Jair Oliveira e Luciana Melo), para não haver cobrança. Agora estamos fazendo muitas coisas, mas cada um apresenta uma parte do repertório e encerramos juntos.

Guia da Semana: E poderemos esperar o Jair Rodrigues em outros álbuns?
Jair:
Com certeza! Acho que só se o arquiteto do universo falar: "Negão, vem pra cá!". Por enquanto, ele me deu esse paraíso aqui onde moro, só para não ficar enchendo o saco dele lá em cima. Sempre me preparo para conservar esse dom que ele me deu, porque quero entrar no palco e me sentir sempre como se fosse a primeira vez.

Bate Bola
Musica: Disparada
Livro: a Bíblia
Um filme: gosto do Poderoso Chefão, de faroeste e bíblico.
Ídolo: Augustinho dos Santos e Elis Regina.
Banda nacional: todas aquelas bandas da Jovem Guarda.
Banda Internacional: Bill Harley e os Cometas, Elvis, Rolling Stones.
Cantor: Augustinho dos Santos.
Cantora: Luciana Melo
Mania: batucar (é mania e vontade), assoviar e cantar.
Virtude: honestidade
Um sonho de consumo: não tenho, o que tenho aqui está bom e o que vier é lucro.
Pecado Gastronômico: tinha um terrível que era de comida pesada, dentre eles o caldinho de mocotó.
Uma Frase para a vida: (refletindo)...Eu levo a vida como sempre levei, na simplicidade, dignidade, força, amor e perseverança, acreditando sempre no nosso ser maior.

Conteúdo extra - Saiba mais sobre o Jair Rodrigues aqui!

Atualizado em 8 Mai 2014.