Guia da Semana

Foto: Gabriel Oliveira


Não se engane pelo tamanho de Douglas Aguiar. Ele esconde o dono de um timbre potente, com fôlego de dar inveja para muito intérprete. E foi devido ao vozeirão que Douglinhas já passeou por escolas como Estácio de Sá e Caprichosos, entre outras. Com nada menos que 23 anos no Carnaval, atualmente está à frente dos microfones da Pérola Negra, agremiação tradicional da Vila Madalena, que em 2007 retornou ao Grupo Especial, do qual estava fora desde 2001. Em meio às batidas do tamborim, o som potente do surdo e o charme das belas passitas, batemos um papo divertido com esse "gigante" do samba. Confira!

Guia da Semana: Após 20 anos de estrada, como é administrar uma carreira tão extensa?
Douglinhas: Como até hoje não é fácil, faço o que eu gosto por isso sou privilegiado. Não sei quando vou parar, enquanto tiver saúde vou cantar.

Guia da Semana: Você sente alguma diferença no Carnaval de hoje para o de antigamente?
Douglinhas: Hoje em dia a cobrança é maior. O carnaval se tornou muito competitivo. Antigamente achava até mais prazeroso, hoje em dia se tornou muito mais comercial. Em parte isso é bom, pois ficou mais profissional.

Guia da Semana: Você já passou por algumas escolas no Rio. Enxerga muita diferença entre o carnaval de lá e o de São Paulo?
Douglinhas: São várias diferenças. Em primeiro lugar a localização geográfica, Também muda a forma de falar, a maneira do povo viver e enxergar a vida. O carioca é muito mais tranquilo que o paulista. Isso acaba interferindo na maneira de compor e tocar. O Rio vive do Carnaval. Então para os cariocas é o maior evento, o momento em que a cidade gera mais receita. Movimenta tudo. Além de ser mais tratado com maior profissionalismo e aqui em São Paulo isso ainda não acontece. Ainda não ganharam esse respeito e atenção de quem deve. Na Pérola, por exemplo, temos essa dificuldade. O ensaio precisa acabar 9h30 e isso no Rio não acontece. Aqui em São Paulo a Fórmula 1 é mais importante que o Carnaval.

Foto: Gabriel Oliveira


Guia da Semana: Quais são as suas referências de sambistas e compositores?
Douglinhas: Tem muita gente boa por aí. Eu cresci escutando o pessoal da velha guarda, Candeia, Noca da Portela, Fundo de Quintal, Almir Guineto, o Zeca que não é tão antigo, mas sempre busca resgatar a origem do samba. De intérpretes admiro Armando da Mangueira, Royce, Jamelão, Ney Viana que me serviram como base.

Guia da Semana: Dá para viver de samba em São Paulo?
Douglinhas: Hoje em dia já está melhor. Conseguimos conquistar um espaço maior. Acredito que todos os puxadores de São Paulo já estão remunerados. Se não recebem aquilo que merecem, recebem muito mais que eu, por exemplo, quando comecei. Isso é sinal de mudança, porque eu não ganhava nada no começo.

Guia da Semana: Você acredita que os puxadores são devidamente reconhecidos aqui em São Paulo?
Douglinhas: Ainda não. Eu acho que as escolas estão muito longe de dar as melhores condições para a gente trabalhar. A única coisa que a gente precisa para trabalhar legal é o som, e nenhuma aqui em São Paulo tem um bom. A não ser a Rosas de Ouro, que tem um som um pouco melhor. Tirando ela as outras são muito ruins, mesmo.

Guia da Semana: Você tem algum cuidado especial com a voz?
Douglinhas: Tenho sim. Eu obedeço algumas regras que meu corpo exige. Não bebo, não fumo e faço fono uma vez por semana. Tenho um acompanhamento legal. Uma vez por ano faço diversos exames de audiometria, otorrino. Já que sou profissional e cobrado por isso, preciso ter um bom preparo.

Foto: Gabriel Oliveira


Guia da Semana: Você também é integrante do grupo Quesito, com outros tres puxadores. Como é participar do projeto?
Douglinhas: Estamos lançando o nosso primeiro CD agora, depois do Carnaval. Dentro do Quesito temos alguns outros projetos também. Um deles é o bloco do Quesito, um encontro que acontece uma vez por mês. Era realizado na Barra Funda e em 2009 vamos mudar o local para acolher mais pessoas. Fora isso fazemos shows em vários outros locais.

Guia da Semana: Como é cantar o mesmo samba por tanto tempo, durante o ano todo, sem perder a empolgação?
Douglinhas: A arte, o talento e a importância do puxador estão aí. É conseguir manter um desfile de 65 minutos na avenida sem deixar que aquilo se torne um marasmo e não deixar que o componente perca a animação. É adrenalina do começo ao fim sem deixar cair.Tem que gostar e fazer aquilo com paixão, tem que gostar do que está fazendo. Tudo com paixão sai muito melhor.

Guia da Semana: O amor ao samba é fundamental nessa hora?
Douglinhas: Na minha opinião é o principal. Ele acaba arrastando tudo. Envolve a bateria, a harmonia, a evolução. Não digo que seja a peça principal, por que no Carnaval cada detalhe tem sua importância nessa engrenagem que é montada. Mas o samba é fundamental nessa história toda.

Guia da Semana: Qual é a importância dos minutos que antecedem a entrada da escola na avenida?
Douglinhas: É fundamental para decidir se uma escola pode ser campeã. Se você der a largada errada pode ainda recuperar, mas já fica abalado, é muito mais difícil até psicologicamente se reerguer. A escola precisa ter muito equilíbrio para conseguir se recompor caso ela comece errado.

Guia da Semana: Você também é compositor. Onde busca inspiração para as suas músicas?
Douglinhas: Eu não gosto de compor sozinho. Gosto de ter parceiros do meu lado. No caso do samba enredo é mais direcionado. É preciso faze com algumas diretrizes, tamanho de letras, obedecer a uma historia. Agora samba de meio de ano já é mais relax, mexe mais com a emoção e o coração, eu prefiro mais.


Atualizado em 6 Set 2011.