Guia da Semana

Foto: Gabriel Oliveira/ Guia da Semana

Um rapper que transita livremente pelo repente nordestino e o samba. É assim que Max B.O, mostra sua agilidade verbal no programa Brothers, da RedeTV, no qual realiza entrevistas com perguntas rimadas, embasadas por temas sociais. Mas antes das sacadas inteligentes na televisão, este MC repórter já era figura conhecida no cenário hip-hop brasileiro, acumulando parcerias com nomes nacionais consagrados - Marcelo D2, Thaíde e Seu Jorge - e artistas internacionais, como De La Soul e Afrika Bambaataa.

Improviso em festas black, engajamento social e a quantas anda o rap nacional. Conheça um pouco mais sobre a vida de Marcelo Silva (para os íntimos) e seu personagem, em uma entrevista exclusiva concedida ao Guia da Semana.

Nos bailes da periferia

"Porque antes do jogo começar estava do lado de fora. Mas depois que o jogo acabou e foi tudo terminado, olha aqui pro MC, tô dentro do gramado". (MC Repórter)

Guia da Semana: Marcelo Silva, Max B.O e MC Repórter. Como começou essa história?
Marcelo Silva: Começou quando o Marcelo Silva conheceu as artes. Meu pai queria que eu aprendesse a tocar violão. Enquanto isso, eu já pegava o vidro de desodorante e fazia de microfone para cantar. Tinha 7 anos e a gente mudou do Imirim para o Jardim Antártica, perto do Horto Florestal. Era uma região mais afastada que tinha aquela cultura dos bailes de equipe. Eu sabia que tinha um movimento musical ali e queria participar. Meus pais, com medo disso, resolveram me colocar em um curso de teatro.

Guia da Semana: Do rap para as artes cênicas. Quanto tempo durou a sua atuação nos palcos?
Marcelo: Dos 13 aos 15 anos. Nessa idade participei de um campeonato de música no colégio e ganhei com um rap. Depois disso achei legal e pensei em montar um grupo. Montei o Boletim de Ocorrência. Mas ele tinha tudo que eu não curtia, que era um nome de impacto, com letras contra a paz, drogas, polícia. Acabou não dando certo.

Então fui para o Cartel SP, fazer a segunda voz. O grupo já tinha dois Max, o DMN e o de Castro. Então falei: "Deixa Marcos B.O!". A partir daí, comecei a me identificar com o freestyle, que é a rima de improviso, assim como os repentistas fazem. Aos 19 anos, transformei o B.O, de "Boletim de Ocorrência" para "Brasil Original".

Guia da Semana: Como surgiu o convite para participar do Brothers?
Marcelo: Os caras já sabiam um pouco dessa minha história, do lance de eu fazer parte da primeira geração de MCs improvisadores, não só de São Paulo, como do Brasil. A produção tinha uma idéia de um MC Repórter, que era um cara que pudesse pegar uma pauta e transformar ela em uma pergunta rimada.

Foto: Gabriel Oliveira/ Guia da Semana

Correndo atrás do prejuízo

"O Brasil é campeão em remédio para emagrecimento. Foram vendidos duzentos milhões desse medicamento. Com tanta gente assim querendo emagrecer, vai sobrar comida para quem não tem o que comer". (MC Repórter)

Guia da Semana: Você teve alguma referência para criar o personagem ou construiu ele sozinho?
Marcelo: O MC Repórter é muito baseado em mim, mas ganhou da produção os bordões, como a "batida da cidade" e esse negócio de ficar apontando para a câmera. Mas ele está ganhando uma cara própria, sem parecer com ninguém. Tem aquela coisa meio que do repórter popular, talvez um pouco do Márcio Canuto, no jeito de lidar com a galera.

Guia da Semana: Você acha que o personagem pode mudar o perfil de acordo com a sua visibilidade, ou tem que caminhar sempre por um lado mais marginal?
Marcelo: Eu acho que ele vai conseguir os acessos, vai dar aquela "pimpada", mas não pode fugir do jeito dele ser. Até já briguei com o MC Repórter, porque as pessoas não podem vê-lo como sendo só eu, então ele não pode mudar muito do meu jeito de ser também.

Guia da Semana: A temática social está sempre presente como pano de fundo das suas saídas?
Marcelo: Tem que ter alguma coisa, em cada matéria, ligada nisso. Como a pauta que sobre emagrecimento na Oscar Freire, no eixo do "colar de pérolas". Mandei um: "O Brasil é campeão em remédio para emagrecimento. Foram vendidos duzentos milhões desse medicamento. Com tanta gente assim querendo emagrecer, vai sobrar comida para quem não tem o que comer?". É um jeito de dar uma cutucada.

Guia da Semana: Quando você recebe as pautas, quanto tempo tem para trabalhar as rimas?
Marcelo: Chego na emissora, pego meu BlackBerry e já vou lendo e escrevendo o gancho principal. Quando estou na rua perguntando para a galera, já começo a bolar a outra. Quando o cara na economiza na resposta, vou ouvindo mais palavras para montar a minha pergunta.

Foto: Gabriel Oliveira/ Guia da Semana

O Rap com raízes brasileiras

"O Ingresso mais barato é quase meio salário, o preço é bom ou estão achando que o povo é otário" (MC Repórter)

Guia da Semana: Você participa de projetos sociais em comunidades carentes. Qual é a importância do artista nesse meio?
Marcelo: É importante para não parecer que o cara depois que se estabeleceu deixou as coisas de lado ou deixou de dar atenção. Atualmente estamos parados, mas tenho um projeto chamado Patchols Família (Paz, Amor, Trabalho, Companheirismo, Honestidade, Objetivo Leal e Sincero). Ele oferecia música nas escolas públicas, com artistas conhecidos para tocar junto com grupos da região. Quem quisesse, poderia contribuir com alimentos ou roupas e esse material era repassado para associações carentes.

Guia da Semana: Entrando um pouco no movimento hip-hop. Há alguns anos se falava muito em rap.Houve um declínio?
Marcelo: Acho que essa maré aí é natural. Até porque os olhares para o hip-hop e principalmente o rap, surgem muito de acordo com o lançamento do CD dos Racionais. Esse ano agente passou os últimos oito ou nove meses ouvindo funk na maioria dos carros das quebradas. A gente sabe que quando o disco dos Racionais sair, esse panorama muda. No meu caso, não muda as coisas que faço, só que às vezes elas ficam só no underground.

Guia da Semana: Nesse sentido, você acha que os Racionais se transformaram em um produto e fugiram daquilo que pregavam no começo?
Marcelo: O discurso mudou, né? A gente vê que já não é mais tão político quanto antigamente. A mídia pode separar aquilo que ela quer, mas cada um tem a sua taxa de responsabilidade nisso. Acho que é uma tendência também, de um novo momento, dos caras falarem algumas coisas que não falavam antes. Acho que o discurso do rap mudou, em geral.

Guia da Semana: Você vê isso positivamente?
Marcelo: Trouxe mais gente para o rap. As coisas tendem a melhorar desde que não perca o controle. É que nem os bailes. Antigamente, todo mundo só falava que só os negros iam. Aí cresceram, agora estão no eixo vila Olímpia e Vila Madalena. É do caralho ganhar o cachê duas ou três vezes maior do que se fosse na quebrada, mas a gente vê também que o dinheiro que ele está fazendo naquela noite não vai voltar nada para o rap.

Guia da Semana: Você acha que existe um hip-hop genuinamente brasileiro? Ou ele ainda sofre muita influência de fora?
Sofre muita influência e ainda tem caras que tornam isso mais vivo, cultivando a cultura do plágio. Eles apenas ouvem e reproduzem as rimas gringas, só chupando. O rap nacional ficou preso naquilo de abrir a janela, olhar a miséria em volta e tentar rimar. Mas temos estilos de rap no Brasil, no Amazonas por exemplo, de uma molecada que faz o Rap da Floresta, que para mim é o verdadeiro rap nacional (risos). É em Tupi Guarani. No lugar das correntes e pulseira, eles usam semente de urucum. Em vez das tatuagens, eles se pintam com as cores das tribos. Eu estou pesquisando sobre isso.


No final da entrevista, pedimos para Max B.O apresentar sua habilidade no improviso fazendo um freestyle sobre o tema cultura. Confira o que ele aprontou em apenas 10 segundos:

Vou rimando de improviso para provar minha postura,
Legal estar aqui com vocês eu vou falar de cultura.
Eu falei de cultura e falei legal,
Pois li no mouse, mas vou rimando assim nessa ´house´.
Na RedeTV vou dizer para você,
Minha cultura é de improviso e vou manter o proceder.
Para aqui e toda a cidade,
Minha nacionalidade, cultura de oralidade.
Vou falando de improviso e nunca estou só,
Família sabe que sou preciso, chamo Max B.O.
Vou falando pra você que a parada e forte,
Pode ser Marcelo ou MC Repórter na norte.
Sou daqui de Sampa e foi muito legal.
Mas agora eu vou ser um pouco mais realista,
Depois que levantar e fazer a retrospectiva de 2008
A câmara ta ativa,
Eu tô com o microfone na mão, é na moral,
Mesmo sem ele o que é legal, tudo é cultural.
Vou rimando aqui nessa viagem,
Igual a vocês dois com a cultura da reportagem,
Ou da fotografia, que é a cultura da imagem,
E a minha cultura é a cultura dessa linguagem.
De vez em quando eu me engasgo,
mas nunca me engano.
Vou seguindo no improviso a decisão correta,
esse é o plano!

Atualizado em 6 Set 2011.