Guia da Semana

Wayne Coyne costuma entrar em uma bolha inflável e caminhar sobre a platéia


Telões colossais e equipamentos de som e iluminação de última tecnologia parecem ser cada dia menos capazes de rivalizar com a imaginação fértil de alguns artistas. Inovadores aptos a arrancar lágrimas de emoção da platéia, oportunistas dispostos a pagar altos preços por cinco minutos de fama ou maníacos por clichês cafonas, não são poucos os músicos que recorrem a artefatos pitorescos para sair do lugar-comum.

Rock, humor e fantasia de pelúcia

Não seria difícil para um desavisado confundir um concerto do Flaming Lips com uma festa infantil. Fantasiados de mascotes tão improváveis como zebras, alces e cangurus, seus integrantes pinçam alguns felizardos da platéia para passar o restante do show ao lado da banda. A única exigência é entrar no clima e se customizar como um ser exótico, seja um imenso e amarelado sol ou um bizarro alienígena.

Para acompanhar suas canções, o líder do trio, Wayne Coyne, lança mão dos mais variados objetos: fantoches, sangue exageradamente falso, bazucas que disparam confetes e serpentinas aos montes, luvas desproporcionalmente gigantes e teclados infantis que reproduzem sons absurdos. No ápice do show, o vocalista leva a platéia ao delírio ao entrar em uma bolha inflável e caminhar por alguns minutos sobre os fãs extasiados.

Tudo isso poderia soar como fanfarronice barata se Coyne, Michael Ivins e Steve Drozd não fossem coerentes à proposta da banda, que sempre prezou pelo bom-humor nonsense em suas letras e álbuns. Uma pequena amostra de como a ousadia do trio é refletida em estúdio está em seus dois últimos álbuns, At War With The Mystics e Yoshimi Battles The Pink Robots.

Limão Mecânico

U2 e O Dia Em Que o Limão Parou
Durante a controversa Pop Mart Tour, de 1997, o U2 regressava ao palco para o bis transportado por um gigantesco limão ambulante, que, em tese, deveria se abrir após alguns momentos de suspense. Certamente Bono, Larry Mullen Jr., The Edge e Adam Clayton devem se lembrar da noite em que fruta cítrica simplesmente travou durante a performance, lavando-os a escapar rapidamente por uma saída de emergência.

De todas as estripulias do Kiss, uma é pouco lembrada pelos menos fãs: os famigerados óculos 3D distribuídos para a platéia interagir com os efeitos especiais produzidos pelo telão. Os mascarados ainda são conhecidos pelos banhos de sangue artificial que encharcavam os palcos de suas pirotécnicas turnês, eventos que tinham como mote a conciliação entre rock e entretenimento, sem jamais se levar a sério.

Quem também apela para fantasias cômicas são os ingleses do Super Furry Animals, grupo que costuma botar para quebrar vestido de - como o próprio nome sugere - animais super peludos. Assim como o Flaming Lips, a banda costuma convidar alguns fãs para encarar seus trajes. Um deles, anos atrás, não suportou o calor e o peso da vestimenta e desmaiou em pleno palco.

Animais Super Peludos podem causar desmaios repentinos na platéia


Entre o cafona e o oportunista

Se muitos artistas têm o dom de conciliar bom humor e entretenimento sem colocar em xeque seu trabalho, é porque não permitem que a indumentária empregada no palco se torne mais importante do que a música em si, respeitando a inteligência do público que paga caro pelo espetáculo. Quem parece não pensar dessa maneira são os americanos do Slipknot - banda cujo principal chamariz é nomear seus integrantes por números. Além de tratar os fãs como uma verdadeira escória e abusar do nu metal farofa, o octeto se leva tão a sério que não é capaz de se desvencilhar das máscaras estilo trash sem perder o que restou da personalidade.

E se "nada se cria, tudo se copia", como já dizia o velho Chacrinha, Ivete Sangalo, a Madonna do Terceiro Mundo, levou ao pé da letra a lição do falecido apresentador quando entrou no Maracanã a bordo de uma motocicleta. Bancando uma versão tupiniquim de Dennis Hopper, em Easy Rider - Sem Destino, a cantora baiana repetiu um gesto comum de Rob Halford, vocalista do Judas Priest, que costuma guiar uma Harley Davidson palco adentro.

A piada de Ivete Sangalo causa apenas cócegas se comparada ao atentado ao bom senso provocado pela vocalista do Babado Novo, Cláudia Leitte, que vez ou outra chega ao palco pilotando um conversível rosa. Para a Penélope Charmosa da Axé Music, que aparentemente não se contenta em estar em cima de um trio elétrico, a diferença entre um entrada triunfal e pagar um mico monumental não parece muito clara.

A Dança da Motinha de Ivete
Em um país cujo artista mais popular, segundo recentes pesquisas, responde pelo nome de Banda Calipso, é difícil negar que o brega já está entranhado na cultura musical. Casos como o de Ivete Sangalo e Cláudia Leitte são recorrentes e causam, no máximo, umas boas risadas. A situação fica mais nebulosa, porém, quando alguns músicos se aproveitam de elementos questionáveis para fazer proselitismo barato.

Há poucas semanas, o vocalista da banda Maldita, Erich Mariani, armou um pequeno circo - mais ou menos do tamanho de sua criatividade musical - no Rio de Janeiro. Enquanto seu grupo abria a apresentação do andrógino Marilyn Manson, o rebelde empunhava uma réplica de um fuzil utilizado pelas Forças Armadas. Investigado pelo Ministério Público, o músico acredita que levar ao palco armas de mentira, facas ou cordas de forca é apenas uma forma de canalizar suas angústias por meio da arte. Resta saber se Mariani, que também dança no palco com pedaços de carne, consegue distinguir uma obra de arte de uma fatia de alcatra.

Fotos: myspace.com/flaminglips / reprodução / u2.com

Atualizado em 6 Set 2011.