Guia da Semana

Angústia e sentimentos juvenis são o mote do Hateen


"Estou de volta ao meu inferno pessoal
Por muito tempo achei que isso era normal
Estou de volta onde tudo começou"


- Inferno Pessoal - Hateen

Jovens bem alimentados, limpinhos até, sentem-se perdidos em um verdadeiro inferno pessoal. Afeto paterno não lhes falta, mas talvez as mazelas inerentes à adolescência deixem os garotos e dondocas um pouco mais sensíveis aos revezes da vida. Nada que um belo cinto de rebite e um iPod repleto de canções hardcore não resolva, afinal o gênero é o eleito da vez para extravasar os hormônios ensandecidos da garotada.

Embora citem obras de Francis Ford Coppola, Milos Forman, Akira Kurosawa e Stephan Frears como filmes prediletos, por trás das madeixas cuidadosamente desgrenhadas dos membros do NX Zero essa atmosfera cult parece um tanto inverossímil. Parida pela cena underground paulistana, a banda tem suas letras permeadas por um híbrido de auto-ajuda e ilusões perdidas - tema que parece despertar certo fetichismo em grupos de hardcore.

Enquanto o Nx Zero vai de Ilusão ( não sei se por mal minha vida eu perdi / só sei que a verdade insiste em me iludir), o Hateen choraminga Ilusões - agora no plural - ( não confie em quem está por perto / não confie se der tudo certo / você está totalmente dominado / tira a máscara da verdade).

Roy Liechtenstein e o hardcore sensível: ah, eu já passei por isso...


Versos e refrões de hardcore costumam sofrer ainda daquela que pode ser chamada de "síndrome do eu já passei por isso". Os sintomas podem ser diagnosticados em canções como Eu Sou Igual a Você ( eu sei como é / já estive em seu lugar), do Hateen, e Experiência ( e se o choro vir pra te atrapalhar / saiba que eu estarei lá pra te ajudar) do Fresno.

Mas a choradeira não pára por aí. Orlando Silva - sim, o cantor das multidões - deveria morrer de ciúmes dos quatro garotos do Fresno. São muitas as mágoas esparramadas pelo repertório da banda. O drama tem pitadas de auto-afirmação: "percebas todo meu valor, porque teu namorado é um idiota", sentimentos dilacerados: "e hoje eu estou aqui sem ter lugar pra ficar / escrevendo canções pra que você possa escutar com outro alguém do seu lado" e decepção, muita decepção: "as marcas incuráveis que acumulei no coração / peguei na sua mão".

Espelho, espelho meu

Os gaúchos do Fresno: coração magoado
"Acredito que essas bandas coloquem as letras em segundo plano, e que não têm uma cultura literária muito ampla, ou referências boas o suficiente em letras para poder reproduzir em suas composições" diz Renata D´Elia, colunista do Guia da Semana.

Independente dos livros que repousam na cabeceira dos integrantes, não é difícil deduzir que o uso indiscriminado do infinitivo é um dos atalhos gramaticais favoritos de quem bota a pena no papel. De suas músicas, saltam versos que rimam "amor" com "dor", "sofrer" com "perder" e outros atentados ao bom gosto.

Seduzidos pela simplicidade de suas letras e melodias - aquela pancada quase punk, entrecortada por meia dúzia de acordes e uma bateria em disparada - muitos jovens encontram em grupos como Dead Fish e CPM 22 a tábua da salvação para suas angústias pueris. Então gritam, gritam o mais alto possível, acompanhado aqueles que lhes trazem borrifos de uma liberdade provisória, pré-fabricada. "A indústria fonográfica colabora para que a maioria das referências musicais não chegue aos ouvidos do público, lançando bandas iguais, com propostas musicais idênticas, enlatadas de acordo com as tendências mercadológicas, ou ainda comportamentais, bastante rasas" complementa Renata.

Quem corrobora essa visão é o baixista da banda Telepatas, Daniel Monteiro. "É uma música comercial. O sujeito encontra no meio da indústria fonográfica um estilo a ser trabalhado, visando atingir um público específico. E no atual mercado brasileiro, você só precisa de um refrão grudento tocando na novela que o sucesso logo chega. Isso já deixa de ser uma expressão artística, tornado-se puro entretenimento" afirma Daniel.

Fotos: divulgação

Atualizado em 6 Set 2011.