Guia da Semana

Considerado uma das maiores revelações do rap nacional, Emicida, 25 anos, ficou conhecido na periferia paulistana, por suas rimas rápidas de improviso, que acabava com os adversários nas chamadas Batalhas Freestyle. A carreira independente sofreu um boom com a ajuda da Internet, que acumulava fãs e milhares de visualizações no YouTube, com vídeos de suas vitórias entre os MC's. Ficou tão conhecido que o seu primeiro mixtape Pra Quem Já Mordeu um Cachorro por Comida, Até Que Eu Cheguei Longe., chegou a vender 10 mil cópias de mão em mão, sem nenhuma gravadora por trás.

Sem perder a humildade e a característica independente de seu trabalho, aposta na mesma estratégia para o seu mais novo mixtape Emicídio, produzido artesanalmente em um imóvel alugado, no Laboratório Fantasma, em Santana. O lançamento oficial acontece em 16 de outubro, com um grande encontro de rap no Estúdio M, em São Paulo, organizado e divulgado pelo próprio artista, com a participação de Kamau, Flora Matos, Rincon e KL Jay. Confira o bate papo que o Guia da Semana teve com o MC's que vende os seus CDs a preços populares (a partir de R$ 2,00) e afirma que dá pra viver de maneira independente.

Guia da Semana: Em 16 de outubro você está organizando o lançamento oficial da mixtape Emicídio. Primeiro eu gostaria de saber como esse formato funciona e se tem alguma diferença entre um álbum convencional?
Emicida:
A mixtape é um produto voltado única e exclusivamente para o público do rap, mas algumas vezes pode alcançar as pessoas que estão fora disso. O formato tem muita rima e é mais comum nos Estados Unidos. Como faço composições muito rápidas, as mixtapes servem como forma de dar vazão a elas, ao mesmo tempo em que tenho liberdade para inserir músicas que não entrariam em um disco oficial. Assim, alimento meu público, crio essa base para minha carreira e trabalho com um material que consigo vender de uma forma mais barata, totalmente caseira e distribuindo de mão em mão.

Guia da Semana: Quais seriam os ritmos que entrariam no seu álbum oficial?
Emicida:
De tudo um pouco. Eu escuto desde moda de viola a bolero, MPB a funk, sempre pego o que tiver de positivo, pode não ser de uma forma escancarada - samplear um pedaço -, mas uma ideia, uma referência, uma coisa que faça brotar algo novo em mim. Tenho escutado muito a Tropicália, e os caras fizeram um negócio muito louco, que foi pegar alguma das coisas que funcionaram bem na América do Norte (guitarra elétrica e todas as outras coisas) e mesclar com elementos da nossa cultura popular, a forma de cantar, algumas coisas rítmicas. Acho que o grande passo pra evolução é isso aí. Se a gente ficar se pautando muito pela música norte-americana periga acontecer com a gente o que aconteceu com a jovem guarda, que teve um booom, sumiu e sobrou só o Roberto Carlos.



Guia da Semana: Apesar de você trabalhar nas mixtapes - produtos mais artesanais - muitas gravadoras já te procuraram para incorporar esse trabalho em grandes produtoras. Por que você não aderiu?
Emicida:
Não tenho nada contra as gravadoras, acho legal quando você consegue levar o seu trabalho para o grande público, mas os formatos em que se trabalham não fazem justiça a tudo que já conquistei. É como se quisessem me tirar de um lugar e colocar em outro. O próprio raciocínio das pessoas que vinham falar comigo estavam engessados em padrões que funcionaram nos anos 80/90. Não preciso de alguém que me pegue e coloque no Faustão, preciso de alguém que tenha uma estrutura que potencialize isto aqui que estou fazendo, que valorize meu público e consiga fazer ele aumentar. Como ainda não vi ninguém que tenha essa mente aberta para entender o que eu to falando, preferi continuar fazendo as coisas por mim mesmo, até porque se eu pular num barco desse eu sumiria para o meu público e não apareceria para outro.

Guia da Semana: Com o acesso ao twitter você acaba tendo um contato maior com o público e com as críticas. Queria saber como foi a reação deles com a divulgação da informação que você participaria de uma música no novo CD do NX Zero?
Emicida:
(coloca as mãos na cabeça) Nossa Senhora... Uma amiga minha disse que um clipe deles era muito 'foda', o Só Reza. Quando vi, gostei desde o primeiro momento. O Henrique Bonadio me ligou porque eles estavam fazendo esse projeto. Colei o estúdio, troquei uma ideia, eles estavam querendo um remix e eu nem precisava criar rimas, era só usar algumas que já existiam. Comentei que tinha gostado da música, escrevi e curti bastante do resultado, porque acrescentei legal no som e dei uma outra cara pra ele.

Foi aí que soltaram teaser e fu*#$...(abaixa a cabeça e dá risada). Por incrível que pareça, vi que tinha uma minoria de pessoas que criticaram. O que acho mais louco é ter criado uma liberdade ao meu redor que várias pessoas mesmo não gostando de NX Zero falaram que ia esperar sair porque curtiam o meu trabalho. Outros comentaram que o grupo estava com um som mais da hora, mas sempre têm os caras pra falar mal mesmo, independente do que faça, vão descer o sarrafo.

Guia da Semana: Por que você acha isso?
Emicida:
Porque a partir do momento que você passa a pagar suas contas e viver disso aí, você já não é o cara sofredor das ruas que faz músicas e vive do que ama porque sofre... Não cara! Na cabeça desses caras, pagou as contas, se vendeu. Porque se você não está quase morrendo de fome, você não é autêntico. Não é uma parada que me abala, nem mexe comigo. Só acho triste a pobreza de espírito das pessoas, mas tenho certeza que a música foi do caralho, vai abrir este projeto, estourar e fazer um 'puta' barulho, porque tem vários malucos mostros do rap participando: Kamau, Rappin' Hood, etc. Isso vai abrir para o pessoal que não ouve rap.



Guia da Semana: Você é considerado a revelação do Hip Hop nos últimos tempos. Qual o peso dessa responsabilidade?
Emicida
: É muita responsa, mano. Primeiro olha os caras que vieram antes de mim: Sabotagem, RZO, Xis, Mano Brown, Racionais, muita gente boa. Você ser o novo nome do Pop Rock é uma parada, você ser o novo nome do Rap é foda. Porque no novo nome do Pop Rock, as pessoas esperam que seja somente um artista, o do Rap esperam que seja o revolucionário que vai salvar o Brasil. Esperam que você seja musicalmente interessante, inovador, e socialmente engajado dentro de projetos que funcionem de uma forma grande. As pessoas não cobram dos políticos que elas votam o que cobram dos grupos de rap, então a pressão de estar nesse lugar é foda.

Guia da Semana: Há um ano conversei com o MC Max B.O e ele comentou uma coisa interessante sobre o rap, que o ritmo vive muito a sombra dos Racionais. Quando eles lançam um CD, o rap volta à mídia, nos anos seguintes, entra no ostracismo. Você acha que isso ainda é válido, o rap é dependente dos Racionais?
Emicida:
Acho que os Racionais é a nossa maior bandeira, um grupo que, quando movimenta, movimenta muita coisa. O único ponto negativo é ver várias pessoas tentam fazer o mesmo caminho sem ter o mesmo potencial e a mesma sagacidade de mercado. Quando os Racionais lançam uma música, a coisa dá uma bombada mostruosa, como foi o caso Mulher Elétrica. O que isso gera de opinião é muito foda. Racionais define o caminho do rap...

Guia da Semana: Mas de certa forma isso não é problemático?
Emicida:
De certa forma sim, porque não temos uma variedade de grupos desse tamanho e direção, mas o ponto positivo é que Racionais é uma boa banda, e poderia ser um grupo ruim. Racionais é muito grande pra compreender e limitar em uma ideia, porque é o único grupo que roda o Brasil de ponta a ponta, e o Brasil é muito maior que o Sudeste e o Sul. Os caras levam 10 a 15 mil pessoas para ouvir um shows no Macapá, de forma independente. Tanto é que, qualquer quebrada que você vai tem uma frase do Mano Brown na parede. É foda isso ai...

Guia da Semana: Como o nascimento da sua filha refletiu nessa mixtape?
Emicida:
Isso de certa forma me trouxe um desafio, porque eu quero fazer uma música que minha filha escute. Eu tinha muitas ideias que eram complexas e o nascimento da minha filha me ensinou a ser tão autêntico quanto eu acredito que consigo, mas fazer isso soar de uma maneira visceral e de uma forma simples, para as pessoas que não vivenciam o mercado, o rap. Eu gosto muito de escrever sobre as pessoas que pegam ônibus de manhã, trabalham, sem nenhum glamour, que tem várias coisas de especial, mas não notam. Eu queria tentar ressaltar essas coisas, que é o grande lance da vida delas.

Confira a entrevista completa

*Fotos: Nathalia Clark/APH

Atualizado em 6 Set 2011.