Guia da Semana



O artista precisa fugir. Ir lá naquela ponta bem distante que ninguém sabe qual é, porque não dá para ver. Ele tem que correr. E olhar para trás quando ouvir um assobio. Ou um grito desesperado. Tem que mudar de país de vez em quando. Colocar uma mochila nas costas e virar verbo.


Esse artista tem que insistir, trocar de caminho. Ser indisciplinadamente disciplinado. Deve andar de trem, conversar com o passageiro do lado, não importa em qual idioma. Ele tem que puxar assunto, usando gestos se for preciso. Precisa arriscar. Apostar naquilo em que acredita. E naquilo em que não acredita também. Deve migrar, pular, tropeçar, ousar, renovar.


O artista tem que fazer de tudo para o coração bater assim meio descompassado. Aquele descompasso de paixão, não de doença cardíaca. Tem que fazer careta quando presenciar uma cena engraçada. Chorar, quando vir alguém dormindo na rua. E se não chorar, então não é artista. Tem que dar esmola não só aos aleijados. Precisa sair. Sair de casa, sair do escritório, sair do carro, sair de dentro de si, sair por aí levando qualquer objeto.


Tem que andar sempre com um caderno, uma caneta, uma câmera fotográfica, um dicionário de sinônimos e um chapéu de palha. Precisa partir, participar, particularizar. O artista tem que sofrer para ser. E sofrer novamente, para ser outra pessoa quando se passarem dez minutos. Ele tem que ser vários. E precisa disso. Precisa acordar como músico, almoçar feito poeta e dormir na pele de um cronista.


O artista tem que investigar as rimas. Investigar a vida. A dele e a dos outros também. Precisa se despedir constantemente do medo. Andar de elevador vinte vezes ao dia, de avião uma vez ao mês, de teleférico duas vezes ao ano.


O artista precisa olhar para janela de quinze em quinze minutos. Todo artista almeja a janela. Almeja o que há lá fora. Almeja a promessa da janela. Sente vontade de abraçar o céu, engolir as nuvens, retocar a lua. Todo artista precisa sair. E, saindo, ele vai entrando em lugares diferentes para ser artista novamente.


O verdadeiro artista nunca tem um endereço fixo dentro dele.

Leia as colunas anteriorwa de Pedro Cavalcanti:

Com inspiração

Não dá!

Ali, no interior

Quem é o colunista: Pedro Cavalcanti.

O que faz: Publicitário.

Pecado gastronômico: Qualquer prato preparado pela minha avó.

Melhor lugar do Mundo: Aqui e agora, como diria o Gil.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Ulisses Rocha, Pat Metheny, Chico Saraiva

Fale com ele: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.