Guia da Semana

Foto: Reprodução
Madonna vem aí (e o ingresso é dos mais caros da turnê)

Quando decidi escrever sobre os shows da agenda paulistana não achava que iria deparar com a possibilidade de escrever um tratado social; e o pior é olhar o relógio no canto da tela e perceber que estas horas na frente do computador não foram, na prática, muito produtivas. Pesquisei os jornais, os blogs, sondei um par de amigos, fiz anotações, até repensar a idéia original repensei, mas, assim, texto que é bom, nada. O mais estranho é que é meu primeiro texto aqui e nem me apresentei (oi), mas tudo bem, deve ter uma mini bio nesta página, então aos poucos você descobre "o que" eu sou e, no fim das contas, não é mesmo pra ser um texto sobre minha pessoa. Enfim.

É óbvio que se você está lendo a coluna é porque tem um mínimo interesse em música e em shows, e, portanto deve também saber o que está rolando na cidade nestes e nos próximos dias; você já sabe que a crítica desceu a lenha em Caetano Veloso e Roberto Carlos na homenagem a Tom Jobim, sabe que os shows de Madonna no Brasil estão entre os mais caros do mundo e sabe sobre um evento chamado São Paulo Moto Festival, certo? Muito bem, e o que tudo isso tem em comum? Na verdade nada, na verdade tudo, e justamente por isso tive a sensação de que escrever sobre o circuito de eventos seria um exercício de compreensão social. Como? Bem, vou tentar evitar o tratado, mas....

Primeiro que eu acho que não existe nada mais chuva no molhado do que Roberto e Caetano fazendo um show chato. Calma, deixa eu explicar. Esses dois são ícones da MPB, talvez os maiores no momento, e a fantasia de vê-los cantando juntos é, para alguns, um sonho de consumo maior do que a casa própria. Aí reside o primeiro problema, na fantasia. Inevitavelmente esperamos que ao vivo as surpresas, o inusitado, aquela versão acústica ou a cappella, enfim, esperamos que algo diferente vá acontecer. Esse foi o erro da crítica. Se você sai de casa pra ouvir o repertório de Tom Jobim tocado por uma orquestra, você sabe o que vai ouvir. E você sai de casa justamente por isso. E se esse repertório vai ser interpretado por alguém que há 30 anos só veste terno azul, então definitivamente você não pode esperar um experimento transcendental. Aliás, 30 anos atrás talvez esse show fosse de arrasar.

Então que ver a turnê Sticky & Sweet de Madonna no Morumbi é mais caro que na maioria dos países por onde ela vai passar. Grande novidade. Se desde sempre shows internacionais foram caros por estas bandas, há muito São Paulo se tornou uma cidade cara até para gringos acostumados a nos visitar. O problema não é "só" ser caro, mas o retorno pelo que se paga. Por exemplo, se você comprar ingresso para a arquibancada (o mais barato) em resumo você está pagando R$180,00 (sem transporte, estacionamento e sanduba) pra assistir o show através de um telão.

Agora, isso é papo de tiozinho, o mesmo tiozinho que viu o Queen em 1981, no mesmo Morumbi, sem telão, sentado no concreto e feliz como se fosse perder a virgindade (o que, metaforicamente, é verdade). Além do mais Madonna é Madonna, e um show dela não é só um show. É como um espetáculo da Broadway, como o Holiday on Ice, como o homem na lua.

Por outro lado, têm umas coisas que não dá pra entender, tipo esse São Paulo Moto Festival. Para quem não sabe, é um evento de e para motociclistas, desses que colecionam ou apenas admiram essas motos estilizadas, tunadas, máquinas que parecem ter saído de Mad Max. Até aí, tudo bem, tem gosto pra tudo, e não difere muito de uma feira como o Salão do Automóvel ou algo ligado a informática. Mas desde Marlon Brandon em O Selvagem (The Wild One, 1953), passando por Dennis Hopper e Peter Fonda em Sem Destino (Easy Rider, 1969), até Mickey Rourke e Matt Dylon em O Selvagem da Motocicleta (Rumble Fish, 1983), essas máquinas de duas rodas estão sempre vinculadas à rebeldia (liberdade?), à transgressão (liberdade?) e, consequentemente, ao rock ´n´ roll. Literalmente. Se a "origem" da palavra punk está no filme de Brando, e em Sem Destino "viajamos" na psicodelia de Jimi Hendrix, Byrds e, claro, em Born to Be Wild do Steppenwolf; no clássico de Coppola conhecemos a versatilidade musical do baterista Stewart Copeland, do Police.

Ou seja, tudo que se pode esperar de um evento onde haja motoqueiros e música é rock ´n´ roll, certo? Errado. Principalmente se levarmos em conta as principais atrações do tal festival. Eu fico imaginando o cara que bolou isso tudo acordando de manhã e contando pra mulher: querida, tive um sonho incrível, imagina um festival de motoqueiros com shows do Alan Parsons e do Roger Hodgson (ex-Supertramp)? Aí ela tira a remela do olho e diz: você tá de sacanagem, né fofo? Pois não tava. E para completar o fofo chamou uma galera local, tipo nova, Paralamas, Blitz e Titãs, além de uma série de (uns 20) "artistas" sem fotos no catálogo, tudo para encher lingüiça.

Eu sei lá. Dá até pra aceitar que esses playboys na meia idade não tenham noção do que seja boa música, mas seria de se esperar que, nesse caso pelo menos, os organizadores aproveitassem a leva de "retornos" de bandas históricas e tivessem um mínimo de coerência na escolha das bandas. Por exemplo, Judas Priest e Motörhead teriam muito mais a ver, o Hawkwind (não conheço mas o nome parece ser de moto) está na ativa, e até o Status Quo (com show marcado em Londres) faria mais sentido tocando num evento desse naipe.

Ao mesmo tempo, nem sei porquê me incomodo com isso, pois nem com as bandas acima eu gastaria meu dinheiro e energia nessa balada. Minha praia é outra. Bem outra. Eu sou da geração SESC. Eu vou entrar na fila pra comprar ingresso. Vou assistir show sentado em cadeira de teatro. Vou ver concerto de uma banda só. Vou delirar de novo com Medeski, Martin & Wood. Vou renascer com Laurie Anderson. Vou me esbaldar com Money Mark. E espero poder falar de todos eles aqui na próxima oportunidade. Até lá então.

Quem é o colunista: Ronaldo Miranda, diretor de arte que saca o talão de cheques quando ouve a palavra cultura

Pecado gastronômico: Hambúrguer de atum com maionese de wassabi

Melhor lugar do Brasil: Bonete, Ubatuba

O que ele ouve no carro, em casa e no IPod: Shuffle; de Pavement a Dandy Warhols, de Noel a Defalla, de Bartók a Thelonious Monk.

Para falar com ele: Mande um e-mail para: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.