Guia da Semana

Foto: Elista Vitale


Fui a um festival no Baixo Augusta. Várias bandas independentes subiam ao palco, para mostrar por que mereciam a vitória. Pedi alguma coisa no bar enquanto o guitarrista da primeira banda afinava as cordas, antes do show. Som normal. Veio a segunda banda. Nada de mais, também. Foi então que o Huey assumiu o palco. Arrumaram os instrumentos, arriscaram os primeiros acordes. Dei as costas para o bar; e todos fizeram a mesma coisa. Um silêncio visitou a plateia. Agora, só se ouviam os gritos nítidos das guitarras.

Acabei indo ao festival seguindo o conselho de um amigo. Insistiu bastante, prometendo música honesta. Modesto ele. Aquilo seria um marco na minha carreira de ouvinte. Naquela noite, confesso ter saído de casa levando um preconceito comigo. Mas quando o Huey apertou o play do show, meu preconceito fugiu: desceu a Rua Augusta a 120 por hora, deixando-me sozinho no meio de distorções que entravam naturalmente nos meus ouvidos, como se morassem por lá há muito tempo.

De repente, o guitarrista segurou gravemente a nota. Esperamos pela definição do acorde, pelo encerramento de um trítono angustiante: foram dois minutos de tensão. E veio o descanso. Passaram a mensagem: depois da luta, a paz. Fim da música, início dos aplausos; palmas para um longo diálogo sem palavras entre artista e público. O som instrumental do Huey me ganhava aos poucos.

Por um momento, esquecemos o festival. Qual seria a banda vencedora? Quem iria dar entrevistas nas rádios, mandando abraços aos amigos e familiares? Nada importava tanto quanto o som do Huey. As outras coisas se perderam na memória, que prioriza o inesquecível. Ficou o Huey.

A noite se preparava para sair de cena. Os integrantes do Huey deixavam o bar sem pretensão, como se eles tivessem aparecido para dar um recado e nada mais. Eu olhava com certa curiosidade os responsáveis pela morte do meu preconceito. Como acabar com algo tão enraizado? Quem nasceu em 'família bossa nova' sabe como a infância carece de sons alternativos.

Ainda falta a fase final do festival, mas para mim já acabou. No meu singelo júri pessoal, escolhi o Huey como banda merecedora de um espaço nas rádios e nos iTunes alheios.

O Baixo Augusta vai ficando para trás. Logo estaremos na Paulista, dona dos faróis cantados por Eduardo Gudin, mas não é hora de relembrar letras de sambas. A noite pertence ao som instrumental. O Masp à direita, o Huey na cabeça. E o meu preconceito pegando a estrada em direção a outro estado. Nada de rotular a música e seu estilo. No final, vale o som que nos leva a um passeio no meio de nossas lembranças.

Leia as colunas anteriorwa de Pedro Cavalcanti:

Ser ou não ser

Com inspiração

Não dá!

Quem é o colunista: Pedro Cavalcanti.

O que faz: Publicitário.

Pecado gastronômico: Qualquer prato preparado pela minha avó.

Melhor lugar do Mundo: Aqui e agora, como diria o Gil.

O que está ouvindo no carro, iPod, mp3: Ulisses Rocha, Pat Metheny, Chico Saraiva

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Atualizado em 6 Set 2011.