Guia da Semana


"Dá uma dica de alguma banda nova incrível para eu escutar?" Calma, você não está lendo a mesma coluna de duas semanas atrás, aquela que o colunista Alex abriu com essa pergunta e discorreu sobre a falta de empolgação com a música pop atual. Mas resolvi fazer a vez de advogado [não juiz] do diabo [o pai do rock] e dar corda pra essa discussão, afinal, se se empolgar hoje em dia parece exagerado, também não podemos dizer que caminhamos sobre águas plácidas; e borbulhas fazem cócegas e cócegas, bem, você sabe.

A primeira questão na questão toda é a palavra incrível. Sim, porque vivemos num mundo onde tudo pode ser, como foi dito na tal coluna, bacaninha, mas só fumaça. E, ao mesmo tempo, vamos combinar que está tudo muito incrível, tipo de repente alguém te indica uma banda dos anos 60 e se você está na frente do computador e pesquisa no Youtube é capaz de encontrar, ou pior [melhor], se ontem a PJ Harvey fez um show no Festival de Paredes de Coura em Portugal é possível que já haja hoje mesmo alguma gravação feita com celular. Pô, não é incrível? O que o companheiro Alex quer? Que a gente saia pulando feito gol em Copa do Mundo? Mas como se nem o futebol nos provoca tais desejos? Tá, concordo, isso - ainda - não tem muito a ver com a pergunta do começo do texto. Então que perguntei pro Alex de quando vinha o desânimo e ele disse, "sei lá, do meio dos anos 90". É fato, em sua coluna ele cita Flaming Lips como uma das últimas alegrias da vida, o que é discutível [isso é uma rixa antiga :)], mas ok, vou usar 1995 como ponto de partida pra botar lenha na fogueira dessas [e de outras] línguas aí.

Em 1º de fevereiro daquele ano, Richey James Edwards, ídolo/gênio/louco compositor/guitarrista da banda Manic Street Preachers saiu do Embassy Hotel, em Londres, e nunca mais foi encontrado. Tipo sumiu o corpo do cara. Noves fora, isso foi a deixa pra banda largar o clima de auto-mutilação [literal] e drogas pesadas para tomar outros rumos [até mais politicamente conscientes] e fazer sucesso de público e crítica. Outros indivíduos e grupos "amadureceram" após 95; Beck, por exemplo, apesar de "aparecer" com Loser em 94 fez a obra prima Odelay em 96; e mesmo os queridinhos do Radiohead viraram cult em 97, com OK Computer. Claro que é discutível se esses são os melhores discos desses dois ícones pop, e claro que são discutíveis os parâmetros de sucesso e de amadurecimento em cada um desses casos, mas a verdade é que o "fim" do grunge nu e cru abriu portas para novos experimentos, fosse através da retomada folk, fosse na base da batida eletrônica, só para ficar em dois expoentes em voga até hoje.

A verdade, caro leitor, é que é impossível nesse espaço mencionar tudo que surgiu desde a metade dos anos 90 e que poderia ser chamado de empolgante, ou de, no mínimo, animador. Por exemplo, sem apelar para o mainstream FM [onde há sim coisas boas] ou para o underground sueco [onde há também coisas bem ruins], em 1995 surgiram em álbuns Cat Power [que só amadureceu mais tarde], Holly Golightly [idem], Sparklehorse [idem] e, grand finale, Tricky com Maxinquaye, álbum que trouxe mais do que frescor para abortar a letargia anunciada. Estava oficialmente inaugurada a temporada trip-hop/drum´n´bass, elevando à condição de griffe selos como MoWax, Pork, Instinct e Shadows Records, e trazendo para as "paradas" os groovies de Nightmare on Wax, DJ Shadow, Howie B, David Holmes, Roni Size, Kruder & Dorfmeister, a lista é imensa. Enquanto isso, na raia 1, acelerada, a explosão big beat começou com Chemical Brothers [Exit Planet Dust, 1995], Fatboy Slim [Better Living Through Chemistry, 1996] e Prodigy [ok, o sensacional Music for the Jilted Generation é de 1994 mas a bomba midiática foi The Fat of the Land, de 97]. Era o punk [como som ou, principalmente, como conceito] e o eletrônico já como irmãos, obviamente entregues em nome no Daft Punk [Homework, 1997] e em vibração no Asian Dub Foundation [Rafi´s Revenge, 1998]. Até o rock mais básico [oh, puro e simples rock] teve seu momento de glória, quando a adrenalina acumulada dos tempos de Nirvana extravasou no álbum de estréia do Queens of the Stone Age [homônimo, de 98]. Surgia o stoner rock, acrescentando assim mais um ingrediente para o caldeirão pop [eita clichezão] que mais que transbordava na virada do milênio.

E a listinha de "clássicos" avança através dos tempos. Vale citar a banda Spoon, cuja pérola [sim, pérola!] é Girls Can Tell [2001], além de Calexico [Hot Rail, 2000], Elliott Smith [Figure 8, 2000 - tá, tudo desde 94 é sensacional], Grandaddy [The Sophtware Slump, 2000] e, claro, Dandy Warhols, com dois [três? quatro?] super sucessos de qualidade em sequência. E ainda Cornershop, The Kills, The Fiery Furnaces, Marvin Pontiac, Beth Gibbons, Squirrel Nut Zippers, Matmos, Prefuse 73.... CHEGA!!!!!!!!

Na verdade a discussão sobre o status quo do pop/rock não tem fim, ela está na essência do amante da música. Está naquela veia que bomba o coração e faz com que alguns seres tenham cabelos moicanos [ou uma jaqueta de couro, ou uma faixa na testa] aos 50. O Alex pode até dizer que tudo que mencionei é reciclagem dos anos 60, dos 70 e até dos 80 - e daí devemos passar acreditar que a única música que vale é o som da madeira na água - e podemos citar mil e uma razões para defender lado A ou lado B; que vivemos uma entressafra, que o mundo sonoro está diluído em zilhões de computadores, que vivemos um comportado caos econômico e social, que o rock foi enquadrado no sistema politicamente correto e que sex, drugs e rock´n´roll já não é um ménage feliz.

Talvez tenhamos que esperar 10 anos para avaliar o que está acontecendo. Talvez então a música só ruído, ou apenas silêncio [até por isso já passamos....]. Talvez nada disso faça sentido. Talvez seja culpa da mídia, que vende Money Mark por Beastie Boys e decepciona o público presente [foi assim no show do Sesc]. Talvez seja culpa do videoclipe que faz tudo ficar incrível. Talvez o Alex esteja certo e não há nada de novo no front. Talvez ele esteja completamente enganado e tudo é na verdade muito legal, e a gente [ele, eu e mais uns gatos pingados] é que não se encaixa mais no universo pop. E por isso cada vez mais ouvimos jazz.

PS: você deve estar se perguntando, e o Brasil??? Sim, numa próxima oportunidade posso tentar mexer nesse vespeiro.

Quem é o colunista: Ronaldo Miranda, diretor de arte que saca o talão de cheques quando ouve a palavra cultura

Pecado gastronômico: Marzipan

Melhor lugar do Brasil: Golçalves, Sul de Minas

O que ele ouve no carro, em casa e no IPod: Daisy Chainsaw.

Para falar com ele: Mande um e-mail para: [email protected]

Atualizado em 6 Set 2011.