Guia da Semana

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Quando eu penso em viajar, o que vem à minha cabeça é tirar a bunda da cadeira de casa e ir ver o mundo. Sei lá, parece meio romântico, né? "O mundo de possibilidades e diferenças que está bem debaixo do seu nariz". Podia até ser propaganda de companhia aérea de quinta. Mas quando eu falo isso, é por experiência própria. Só saindo de casa e viajando pra entender quão " fucking nice" é viajar. Mas tem que ter um dom para ser viajante, afinal não é sempre que se tem grana pra pagar classe executiva, hospedar no cinco estrelas, jantar no três estrelas da Michelin e tomar táxis. Aliás, as minhas maiores histórias de viagem são inversamente proporcionais à quantidade de grana que eu tinha.

Saindo de casa eu conheci pessoas que nunca imaginei que existissem mesmo. Para mim, estava dado como matéria do Jornal Nacional e só! Sei lá. Os muçulmanos e suas brigas estão muito longe da gente e da nossa realidade, por exemplo. Não conseguimos imaginar que palestinos e judeus se odeiam mesmo, porque, modéstia à parte, está para nascer um povo que aceite mais diferenças culturais que o brasileiro. Mas na prática descobri que eles odeiam mesmo uns aos outros. Eu sei, nem é bonito isto, mas é verdade. E eu não sei disso simplesmente porque a Fátima Bernardes me disse.

Eu sei porque, nos Estados Unidos, tive um amigo palestino que entrou em uma cafeteria com uma estrela de Davi na porta e começou a falar que não ia dar dinheiro àqueles "porcos judeus". Então conheci toda a versão dele sobre o conflito que vivem. Depois, em morro de São Paulo, na Bahia, conheci dois israelenses que tinham acabado de sair do exército e relataram "quão maléficos" são os palestinos e os subterfúgios que se utilizam para ganhar a guerra. Por sua vez, toda a versão da situação na visão dos judeus. Fiquei íntimo, rapidamente, da verdade de dois povos. É a mesma porta vista de dois lados diferentes. E eu tive a oportunidade de conhecer in loco as visões que se repelem.

Viajando, conheci uma paquistanesa muçulmana e ofereci carne de porco para ela sem saber que o estava fazendo. Ela comeu, lambeu os beiços e queria mais, até descobrir que estava comendo porco. A menina surtou, mas no fim acabou descobrindo que caso comesse por engano não teria problema. E acabou tudo em risada e história para contar. Presenciei que os poloneses não têm contato físico nem para se cumprimentar. Obviamente fiquei sabendo do jeito mais difícil e embaraçoso: dando beijinhos diários em uma polonesa, até o dia que ela resolveu me contar que eles não dão nem as mãos, que dirá um beijo no rosto. A partir de então, toda vez que eu a encontrava tascava um beijo já pedindo desculpas antes de terminar.

Descobri também que a Monalisa é tão pequena que parece foto 3X4. Em compensação me surpreendi ao ver como os afrescos de Delacroix são gigantes. Também percebi que os guardas da rainha Elisabeth se revezam de pouco em pouco tempo. Vi que topless só chama a atenção nos primeiros peitos, depois fica tudo igual. Acredite: em Madagascar se fala francês.

Existem milhões - ou talvez bilhões - de formas divergentes e convergentes de se viver dentro do mesmo planeta. Acho que é aí que está a grande magia de se viajar. Só tirando a bunda da cadeira que você vai descobrir tudo isto - e muito mais - por si só. Só assim vai ter suas próprias histórias e pindaíbas pra poder contar, ver com os próprios olhos e viver cada instante neste mundão de meu Deus. É um risco que se corre. Vencer a zona de conforto é muito difícil para muita gente. Mas uma coisa eu garanto: quem se dispõe a viajar, a sair do seu próprio mundo, da sua própria realidade, da sua própria história, para viver a dos outros, nunca mais volta a ser o mesmo.

Quem é o colunista: Victor Gouvêa.

O que faz: Turismólogo-Blogueiro.

Pecado Gastronômico: Bolos, tortas e afins!

Melhor lugar do mundo: Montmatre.

Fale com ele: victtorgs @hotmail.com ou acesse seu blog.

Atualizado em 6 Set 2011.