Guia da Semana

Foto: Divulgação/TV Globo/Blenda Gomes


Em uma recente cena de "Ti-Ti-Ti", as personagens Jaqueline e Suzana - vividas por Claudia Raia e Malu Mader - fizeram as pazes cantando animadamente a música tema de abertura da novela "Fera Radical", de 1988, em que Malu vivia a protagonista. É que Jaqueline, por ciúmes, não gostava de Suzana e vivia chamando a suposta rival de "fera radical", numa referência à novela que fez muito sucesso nos anos 80.

Esta não foi a primeira vez que a trama de Maria Adelaide Amaral citou outras novelas. "Ti-Ti-Ti" parte da junção de dois antigos sucessos de Cassiano Gabus Mendes - "Ti-Ti-Ti", de 1985, e "Plumas e Paetês", de 1980 - e tem homenageado a obra do autor com a participação de personagens criados por ele em outras novelas. Já apareceram Mário Fofoca (Luiz Gustavo em "Elas por Elas", de 1982) e Kiki Blanche (Eva Todor em "Locomotivas", de 1977). A "divina" Magda, vivida por Vera Zimermann em "Meu Bem Meu Mal" (1990), e Rafaela Alvaray, Marília Pêra em "Brega e Chique" (1987), também estão cotadas para participar da atual trama das sete.


A autocitação existe na teledramaturgia desde que as novelas passaram a rir de si mesmas com as comédias dos anos 80. Silvio de Abreu foi mestre em referenciar outras obras dentro de seus trabalhos. A ideia foi bem aceita pelos demais autores, que passaram a fazer citações dos trabalhos dos colegas. Desde uma cena corriqueira - como um personagem assistindo a uma novela - até participações especiais de personagens de outras tramas.


Um dos casos mais curiosos aconteceu em 1970, quando a atração das oito da Globo na época, "Véu de Noiva", de Janete Clair, se misturou com a novela das dez, "Verão Vermelho", de Dias Gomes. A personagem grávida de Myrian Pérsia (de "Véu de Noiva") foi se consultar com o médico vivido por Paulo Goulart (de "Verão Vermelho"). A cena foi apresentada nas duas novelas. Assim como ocorrera no ano anterior, em que a personagem de Aracy Balabanian em "Antônio Maria" - novela das sete horas da Tupi - vai a uma cartomante quando cruza com a personagem de Débora Duarte, da novela "Beto Rockfeller", a trama das oito.


Em "Guerra dos Sexos" (1983) - sucesso da sete horas de Silvio de Abreu - Nieta (Yara Amaral) era uma noveleira de carteirinha e via nos personagens de Tarcísio Meira e Paulo Autran semelhança com papéis que os atores viveram em outras novelas. Numa cena com Autran, Nieta diz achá-lo muito parecido com Baldaracci de "Pai Herói" (1979). Ela também achava Felipe (Tarcísio) muito parecido com aquele ator... o Tarcísio Meira! Em outra seqüência, a personagem diz que não quer perder a estreia da nova novela de Janete Clair - "Eu Prometo" - que acontecia naquela noite. O ápice foi quando Nieta armou uma situação inspirada num plano maquiavélico da vilã vivida por Tereza Rachel na novela das oito, "Louco Amor". Como deu tudo errado no final, Nieta exclamou "Mas não entendo, funcionou com a Tereza Rachel na novela!".


"Sassaricando", de 1987, também de Silvio de Abreu, é outra obra cheia de referências ao universo novelístico. No primeiro capítulo, uma das irmãs de Tancinha (Claudia Raia) diz que ela fala ainda pior do que "aquele rapaz da novela que terminou no sábado" - referência a um personagem de "Brega e Chique", a novela antecessora no horário. Outro personagem diz que contratou os serviços do detetive Mário Fofoca, indicado pelo "Cassiano" - alusão ao detetive vivido por Luiz Gustavo em "Elas por Elas" (1982), de Cassiano Gabus Mendes.

Os autores de "Ti-Ti-Ti" têm colocado na boca de Jaqueline as melhores referências novelísticas. Na mesma cena em que Jaqueline e Suzana cantam "Fera Radical", Ari (Murilo Benício) diz que elas parecem Faísca e Espoleta - alusão à dupla sertaneja que Claudia Raia formou com Patrícia Pillar em "A Favorita" (2008). E Jaqueline responde "isso é muito melhor que `Beijinho Doce`!", a música de maior sucesso da dupla. Quando conheceu Jacques Leclair (Alexandre Borges), Jaqueline, admirada com seu estilo exagerado, perguntou se ele era o costureiro da Viúva Porcina, a espalhafatosa personagem de Regina Duarte em "Roque Santeiro" (1985). Mas uma de suas melhores falas aconteceu quando Jaqueline censurou a empregada: "Olha a empregada querendo ter fala. Isso aqui não é novela do Manoel Carlos, não!"

Outros personagens também tiveram falas de destaque. Quando Suzana conheceu Valquíria (Juliana Paiva), disparou "eu já fui você um dia!", referindo-se à mesma personagem que Malu interpretou na versão original da novela. Ari citou o Tenente Wilson, personagem que o próprio Murilo Benício havia vivido no seriado "Força Tarefa", em 2009. Adriano (Rafael Zulu), reclamando das investidas amorosas de Thaísa (Fernanda Souza), comentou: "Lá vem essa Chiquitita taradita!", referindo-se à novela do SBT em que Fernanda atuou nos anos 90. Ao ver um croqui desenhado por Rony Pears, Ari fala: "Que desenho horrível! Parece feito por aquele macaco da novela `Caras e Bocas`!". O macaco em questão foi vivido por Otávio Reis, o próprio intérprete de Rony Pears.

A abertura de "Locomotivas" (1977) - em que uma modelo é preparada por um cabeleireiro e um maquiador - foi refeita em "Ti-Ti-Ti". As modelos interpretadas por Mayana Neiva e Thaila Ayala eram penteadas e maquiadas tal qual as imagens da abertura, ao som de "Maria-Fumaça", a música-tema de abertura de "Locomotivas".

Talvez a maioria dos telespectadores não esteja ligada a esses detalhes, ou não lembre ou não entenda essas referências. Mas é um prato cheio para os saudosistas e dá um charme todo especial à trama. É a ficção citando, homenageando e bebendo da própria ficção.

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Quem é o colunista: Nilson Xavier.

O que faz: Autor do "Almanaque da Telenovela Brasileira" e criador do site Teledramaturgia.

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O que está ouvindo no carro, mp3, iPod: quase um pouco de quase tudo.

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Atualizado em 10 Abr 2012.