Lá se vão 12 meses desde a eclosão da atual crise financeira mundial. Marcada de forma emblemática pela quebra do banco de investimentos Lehman Brothers, essa quebra evidenciou alguma evolução na mentalidade do investidor brasileiro em certos aspectos. Porém, em outros, demonstrou que determinadas tendências comportamentais permanecem firmes e influenciando de maneira definitiva a forma como os investimentos pessoais são conduzidos.
Tendo atingido 73 mil pontos na véspera da crise, o índice Ibovespa recuou para perto dos 29 mil pontos no auge do período de incerteza. Nesse momento, ficou clara a gravidade e a extensão dos problemas que atingiam o setor financeiro dos países desenvolvidos, sem que os governos tivessem chegado a um consenso quanto às medidas necessárias para tirar a economia global do precipício em que havia mergulhado.
Como reflexo, a bolsa brasileira sofreu um recuo de mais de 57% em apenas alguns meses. A queda ocorreu após um longo período de alta sustentada, que se prolongou de 2003 a 2007. Nesse intervalo, o Ibovespa acumulou mais de 450% de valorização e o número de investidores/pessoa física na Bolsa mais que quintuplicou.
Dessa forma, estamos diante do cenário em que a grande massa de novos investidores individuais brasileiros enfrenta um cenário de severo contratempo em suas aplicações de risco. Como se portou o investidor nesse cenário? Parte dos números permite inferir que em alguns aspectos houve incremento da maturidade dos investidores, ao passo que em outros percebemos que ainda há muito que evoluir para uma gestão de investimentos mais disciplinada, paciente e sofisticada.
No lado positivo, podemos ver que pela primeira vez, mesmo diante de um recuo da bolsa que derreteu mais da metade do valor das aplicações em ações, não houve um movimento de vendas maciças por parte dos investidores individuais brasileiros. Uma leitura otimista desse comportamento sugere que, dessa vez, esse aplicador entrou na bolsa com a consciência de que, por tratar-se de um ativo de risco, a ação exige tempo para que possa traduzir seu risco inerente em alta das cotações, a chamada diversificação temporal, na teoria financeira. Sugere também que esse aplicador entendeu que a bolsa exige tempo para acomodar flutuações, as quais em horizontes mais amplos tendem a desenhar uma trajetória de alta sustentada, ainda que com soluções e solavancos quando cortes em seções mais curtas são observados (veja o gráfico do Ibovespa ou de qualquer outra bolsa do mundo nos últimos 30, 40 ou 50 anos para ter uma ideia do que estamos falando).
A permanência do investidor brasileiro na bolsa, mesmo diante de uma queda tão significativa, revela maturidade, uma vez que esse aplicador não se desfez de suas ações a preços que haviam recuado fortemente, isto é, não vendeu barato. Entendeu, portanto, a necessidade de aturar prejuízos relevantes durante determinado período para não perder a eventual e inevitável recuperação das cotações para patamares mais valorizados, quando a crise começasse a dar sinais de amenização e possível recuperação. É exatamente isso que estamos observando nos primeiros oito meses de 2009, quando a bolsa já recuperou 53% de seu valor. Desde o patamar mais baixo de 29 mil pontos, o Ibovespa já está subindo quase 100% - praticamente recuperou todo o recuo advindo da crise internacional.
Se por um lado o investidor individual brasileiro não se desesperou após a forte baixa, também não foi sábio o suficiente para comprar mais ações durante o período de baixa. Esse fato facilitaria a recuperação do valor total de sua carteira quando uma eventual recuperação fosse observada, como no período atual.
Não há a pretensão de que esse investidor seria capaz de identificar o vale para comprar ações no patamar mais baixo. Isso é impossível mesmo para os investidores profissionais. O que quero dizer é que o nosso investidor individual não foi disciplinado o bastante para rebalancear, de maneira disciplinada e paciente, suas posições em ações. Para assim, manter estável o percentual de seus recursos aplicados em bolsa. Se houvesse agido dessa maneira, teria comprado ações ao longo de todo o período em que a baixa oriunda da crise financeira internacional foi observada. Porém não foi isso que observamos.
Os números divulgados pela BM&FBovespa revelam que o investidor individual apenas manteve as posições que já possuía antes da crise. Porém, mesmo após a alta de mais de 53% observada no ano até agosto de 2009, não retomou o fluxo de aplicação em ações. Pouco mais de R$ 330 milhões foram aplicados por esses investidores individuais em ações em 2009. Isso é muito pouco! Uma gotinha no oceano dos altos volumes negociados (essas compras equivalem a pouco mais de 0,01% do volume negociado até meados de agosto).
Tais números permitem concluir que o investidor individual brasileiro aprendeu a não se desesperar durante uma crise. Ele não vendeu suas posições em bolsa, o que já é um grande sinal de maturidade em qualquer mercado acionário. Por outro lado, sugere que ainda é cedo para dizer que esse aplicador incorporou a noção de que uma crise e a queda das cotações, que a acompanha, configura numa oportunidade única para o investidor disciplinado e paciente, que mantém seus investimentos novos e antigos em ações por saber que esse comportamento é invariavelmente recompensado pelo ativo de risco por excelência que é a Bolsa de Valores.
Quem é a colunista: Aquiles Mosca.
O que faz: economista formado pela FEA-USP, mestre em administração pelo INSEAD - França e autor do livro Investimento sob medida e Finanças Comportamentais. É estrategista de investimentos pessoais e superintendente executivo comercial responsável do Santander Asset Management.
Pecado gastronômico: Raclete (queijo suíço).
Melhor lugar do mundo: a cabine do meu monomotor.
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Atualizado em 6 Set 2011.