A novela O Astro, a mais nova aposta da Globo, virou a atual "menina dos olhos" da emissora. Afinal, em que resultará a experiência de adequar o público do horário ao clima folhetinesco da atração? A meu ver, existe algo de novo no reino de nossa teledramaturgia. Apesar do horário de exibição e sua curta duração (inicialmente programada para ter 60 capítulos), o programa não é série, minissérie ou "especial", como já foi chamado. É novela, no sentido exato da palavra. Aliás, um novelão assumido. E o que mais chama a atenção são o seu estilo e estética.
Atualmente, em televisão, pode-se dizer que um programa não tem estilo, tem pressa. Pressa em fisgar a audiência do seu público alvo. E o trunfo de O Astro é fazer da pressa o seu estilo. Não a pressa em contar em 60 capítulos uma história originalmente apresentada em 186. Mas a pressa em manter o telespectador preso a uma história diária em um horário que é ingrato e díspar: vai ao ar lá pelas 23h às terças, quintas e sextas-feiras, e quase meia-noite às quartas. Difícil criar no telespectador alguma fidelidade com uma grade dessas.
Mas este cenário não é muito diferente daquele da estreia da novela original. Para situar historicamente, voltemos a dezembro de 1977. A novela das oito anterior, Espelho Mágico, derrubara a audiência do horário nobre da Globo, enquanto a TV Tupi despertava cada vez mais a atenção do público para sua novela O Profeta, concorrente no horário. Para frear a crescente audiência que a trama de Ivani Ribeiro vinha tendo na Tupi, o diretor Daniel Filho foi enfático: "Não pode haver mais erro (...) temos que apelar (...) e procurei fazer uma coisa bem extravagante, bem `kitsch`". (Daniel Filho sobre O Astro em seu livro Antes que me Esqueçam, da Editora Guanabara, 1988).
Foi assim que nasceu O Astro de Janete Clair, uma trama que tinha a obrigação de ser um novelão, com todos os clichês característicos do folhetim. E ninguém mais apropriado para a tarefa do que Janete. Não vou nem entrar no mérito de que a trama central de O Astro lembrava a de O Profeta. Afinal, Herculano e Daniel, os protagonistas das duas novelas, eram bem parecidos, cada um em sua área de atuação. O Astro começou cambaleante, mas a morte de Salomão Hayalla fez a novela acontecer e o sucesso veio.
Voltando ao Astro atual, percebemos que o universo kitsch continua proposital. Aliada à sua história e à agilidade com que é contada, vemos uma estética pop com muitos efeitos de imagem, edição e trilha sonora que misturam baladas nostálgicas com música atual. Tudo isso funciona bem e serve para dar o clima que a atração propõe. A beleza do elenco ajuda. Os shows de Herculano Quintanilha (Rodrigo Lombardi) beiram o surrealismo. Algumas sequências criam uma atmosfera intimista e, por vezes, quase onírica.
A identificação do público com os personagens e suas tramas é meio caminho andado para o sucesso. Os personagens de O Astro se entregam às suas paixões arrebatadoramente, e não é em vão. A Amanda de Carolina Ferraz fica perplexa quando tenta racionalizar sua paixão por Herculano. É como se ela nos perguntasse se Herculano é real ou fruto de sua imaginação. E nós, seus cúmplices, uma vez hipnotizados pelo astro, também não temos esta resposta. Também fomos fisgados e caímos nesta fantasia.
Do outro lado, vemos uma Regina Duarte que há tempos não nos era apresentada. Clô Hayalla tem um quê de mulher infeliz, mas, ao mesmo tempo, uma energia que só Regina poderia emprestar à personagem. Suas crises de histeria e seus momentos de mulher indefesa frente a um jovem encantador (Felipe, de Henri Castelli) nos dão aquela sensação de que ela, Clô, é real e muito próxima de nós.
Não é difícil para o público se identificar com criaturas com sentimentos inerentes a todos. E a qualidade da produção, do texto, do elenco, da direção, só reforça essa credibilidade que uma obra precisa passar, por mais ficcional que seja, para criar este laço com seu público. O astro Herculano Quintanilha encanta a todos pela fantasia, pelo sonho. Este é o clima que a novela propõe antes de seu público ir para cama. Não por acaso, Carlos Drummond de Andrade apelidou Janete Clair, na época da novela original, de "usineira de sonhos".
Leia as colunas anteriores de Nilson Xavier:
Remakes e adaptações de novelas
Os anos 80 de volta
Novelas e sua audiência
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Atualizado em 10 Abr 2012.