Guia da Semana

Quando Christopher Nolan invadiu os sonhos de seus personagens e decidiu brincar com o tempo e o espaço, quatro anos atrás, o público não poderia imaginar que o diretor estava preparando o terreno para um projeto muito mais ambicioso. “Interestelar”, que chega aos cinemas na primeira semana de novembro, aproveita ideias já plantadas em “A Origem” e as expande, lançando-se ao universo com espírito explorador.

“Interestelar” fala do espaço, mas dedica metade ou mais de suas quase três horas à Terra e à areia. O cenário não é animador: num futuro não tão distante, a comida se tornou escassa e a maioria das pessoas precisou voltar às fazendas para plantar trigo, milho e o que mais pudesse resistir à aridez.

Cooper (Matthew McConaughey) é um fazendeiro agora, mas foi piloto da Nasa quando os engenheiros ainda podiam se dedicar a essas “futilidades”. A situação é tão dramática que os livros escolares foram reescritos, evitando estimular a curiosidade de crianças destinadas ao trabalho braçal.

Em meio a esse apocalipse iminente, Cooper e sua filha inquieta encontram um grupo de cientistas com um plano de fuga. Eles querem aproveitar um buraco de minhoca recém-aberto dentro do Sistema Solar para saltar a outra galáxia e, quem sabe ali, encontrar outro planeta habitável. Sem qualquer garantia, Cooper e outros três astronautas (Anne Hathaway entre eles) aceitam o desafio.

É impossível assistir a “Interestelar” e não pensar em “2001: Uma Odisseia no Espaço” e no mais recente “Gravidade”. O primeiro, que Nolan homenageia em diversas cenas, ergueu a ficção científica ao status de Arte e enlouqueceu os críticos com uma edição cheia de mistérios e metáforas intangíveis, abordando questões como a origem da vida, a inteligência artificial, o tempo e a transcendência.

Já o segundo explorou o conceito do vazio inóspito para desenvolver uma história individual e introspectiva, que é o extremo oposto do que propõe Nolan. Em “Interestelar”, o universo não é vazio, mas sim infinito. E nele aflora o conflito entre espécie e indivíduo: é justificável lutar pela sobrevivência da espécie em outra galáxia, se isso significa deixar para trás sua família na Terra?

O roteiro foi escrito pelo irmão mais novo Jonathan Nolan e incrementado por Christopher depois que Steven Spielberg desistiu de filmá-lo. Os irmãos já haviam trabalhado juntos em “Amnésia”, “O Grande Truque”, “O Cavaleiro das Trevas” e “O Cavaleiro das Trevas Ressurge”. Tramas ambíguas e labirínticas, portanto, não são novidade para nenhum dos dois.

As teorias representadas no longa se baseiam na obra de Kip Thorne, um físico norte-americano famoso por estudar ondas gravitacionais, buracos negros, buracos de minhoca e viagens no tempo. O filme passa por todos esses conceitos, mas também oferece elementos lúdicos para os não-iniciados - planetas curiosos e mascotes robóticos instigam a imaginação, sob a fotografia sem excessos de Hoyte Van Hoytema ("Ela").

Visualmente, tudo é equilibrado, num minimalismo que não lembra em nada o expressionismo da trilogia Batman. Até as cenas mais ousadas pisam em terra firme, buscando referências na literatura e no cinema e revelando um trabalho sutil de efeitos, que, apesar de bem feitos, não roubam a cena.

Não são as teorias nem as imagens, contudo, que mexem com o espectador – leigo ou nerd de carteirinha. Nem é a ideia do fim do mundo ou de uma viagem intergaláctica que causa aquele nó na garganta e faz aquelas três horas parecerem tão pouco.

O que arrepia é justamente o fato de elas parecerem pouco.

Com "Interestelar", Nolan nos faz perceber que o tempo, que rege cada um de nossos dias humanos, está totalmente fora do nosso controle. Ele é relativo, como Eistein vinha tentando nos dizer há mais ou menos um século... Mas a ficha não tinha caído até agora.

Assista se você:

  • É fanático por ficção científica
  • Gosta dos filmes de Christopher Nolan
  • Gosta de filmes que fazem pensar

Não assista se você:

  • Não gosta de filmes longos
  • Não gosta de filmes que embaralham o tempo e o espaço
  • Procura um filme carregado de ação e efeitos especiais

Por Juliana Varella

Atualizado em 3 Fev 2015.