Guia da Semana

Todo mundo gosta de Michelle e Barack Obama, não é mesmo? Desde que assumiram a Casa Branca em 2009, os dois têm dominado a mídia com seu jeito “gente como a gente”, seus discursos impecáveis e seus relatos ocasionais sobre sua romântica e aparentemente perfeita vida pessoal. Pois foi a partir de um desses relatos que o diretor e roteirista Richard Tanne resolveu desenvolver um longa-metragem recontando o primeiro encontro do casal – uma homenagem justamente no ano em que a dupla se despede da presidência dos Estados Unidos.

Amor e militância

Michelle e Obama”, chamado originalmente de “Southside With You”, foi apresentado no início do ano no festival de Sundance e conquistou uma parcela de críticos com a proposta ousada de romantizar (literalmente) a vida de um presidente ainda em exercício. O filme, porém, parece utilizar o encontro amoroso como desculpa para trabalhar outros temas – e esse é seu maior erro.

Entre uma visita ao museu e uma casquinha de sorvete, os protagonistas discutem preconceito racial e machismo. Suas falas são tão acadêmicas que poderiam ter sido retiradas de palestras ou discursos presidenciais do próprio Obama – mas jamais de um primeiro encontro. E não são só os diálogos: tudo o que acontece nessa única tarde está relacionado, de uma forma ou de outra, a esses dois temas, o que acaba soando falso.

Não surpreende, portanto, quando descobrimos que o maestro desse manifesto é um homem branco. Apesar de bem intencionada, sua visão sobre o casal presidencial é a de alguém que observa um animal exótico, e que o define exclusivamente por sua peculiaridade. De fato, é interessante que o filme mostre um bairro predominantemente negro em Chicago e fale sobre as dificuldades vividas por seus moradores diante de conflitos de interesse com políticos brancos. É interessante que ele discuta o impacto do filme “Faça a Coisa Certa”, de Spike Lee, sobre o público de cinema dessa região. Mas isso tudo acontece como num livro de História – sem tato, sem erros, sem o lado humano de quem viveu ali.

A tragédia de Michelle

Isso não é nada, porém, diante da tragédia que acomete a personagem Michelle. Apresentada na primeira cena com um desodorante na mão e um hidratante na outra, ela é humanizada e inspira confiança. Ficamos sabendo que ela é uma funcionária exemplar numa empresa de direito, bem-sucedida e inteligente, relutante em se encontrar com um colega de trabalho – de quem é supervisora – por razões éticas. Ainda assim, ela vai.

Pouco a pouco, o personagem Barack, antes apresentado como desleixado e irresponsável, vai ganhando espaço com seus discursos eloquentes (como na vida real) e Michelle vai sendo jogada para a sombra. Ao final do filme, um diálogo humilhante com o chefe da empresa deixa claro como ela já foi totalmente apagada pela presença dele.

Vale notar que, enquanto Barack é representado por um ator de porte e rosto muito parecidos com os seus (Parker Sawyers), Michelle tem como intérprete uma atriz competente (Tika Sumpter), mas sem qualquer semelhança com sua imagem real. Substituída por uma mulher de rosto mais fino, sorriso mais delicado e aparência mais frágil, Michelle Obama é reduzida ao padrão praticado pela indústria cinematográfica, e o fato de sua personagem perder o brilho ao longo do filme é apenas mais um sintoma da mesma doença: aquela que faz com que uma advogada brilhante seja conhecida pelo mundo todo como “a esposa do presidente”.

Atualizado em 18 Nov 2016.