Guia da Semana



Quem vê Lionel Giraud pela primeira vez não imagina como um jovem de 31 anos consegue exercer com rigor e criatividade um trabalho que, nas suas próprias palavras, é feito sobre o efêmero, tanto dos ingredientes, transitórios a cada estação, como dos sabores - únicos, individuais e muitas vezes, contrastantes. No entanto, essa é a arte da gastronomia e a forma de distinguir um verdadeiro chef: a partir desses elementos, orquestrá-los harmonicamente e organizá-los em entradas, pratos principais e sobremesas, transformando um almoço ou jantar num momento único.

Momento único como foi o jantar comandado pelo chef no Pierre Verger, primeiro restaurante do Hotel Sofitel São Paulo. Sua presença foi o ponto alto do Festival Sud de France, evento responsável por promover vinhedos e rótulos da região de Languedoc-Roussillion. O convite partiu por dois motivos. O primeiro, pelo fato de Giraud ser natural de Narbonne, cidade incrustada no sudeste mediterrâneo francês onde comanda seu restaurante, o La Table de Saint Crescent. E o segundo, por ter posto a cidade no mapa da alta gastronomia ao ganhar, aos 26 anos, sua primeira estrela no Guia Michelin e a menção "Grande do Amanhã", do Guia Gault & Millau, no ano seguinte.

Além de método e criatividade, Giraud se destaca por saber defender suas ideias em torno da democratização da gastronomia, ou Fast Good, como gosta de falar. O chef é bem claro ao afirmar que é possível se alimentar, e muito bem, pelo mesmo preço praticado em redes de alimentação rápida ou renomados estabelecimentos que esquecem dos aromas de uma refeição. Prova disso são os preços justos e convidativos do La Table, com menus a 25, 42 e 47 euros e a mesma qualidade do jantar servido no hotel paulistano.

Após os seis pratos do menu-degustação, onde o ponto alto foi a sobremesa L'Aventurier - um gaspacho de frutas vermelhas e beterraba ao vinagre de Xeres acompanhado de beringela apimentada cozida em especiarias e sorvete de azeite de oliva - , o chef conversou com a reportagem do Guia da Semana e falou sobre sua trajetória e ideias.

Guia da Semana : O que significou ganhar a estrela do Guia Michelin?
Lionel Giraud: Foi a concretização de um desejo, de uma ambição. Além do reconhecimento, o prêmio significa mérito pelas minhas criações, que não faço concessões. E também justifica para a família a falta de tempo para o convívio e lazer, o que é normal para quem é apaixonado por cozinha.

GDS: De onde vem sua paixão pela cozinha?
LG: Nasci no meio de uma cozinha, e isso foi fundamental na minha formação. Via meu pai cuidando do restaurante enquanto eu brincava com legumes e frutas. Engraçado é que, apesar de sermos de Narbonne, a cozinha de meu pai agradava principalmente os estrangeiros. Isso levou ao fechamento da casa por duas vezes.

GDS: E quando você começou a administrar a casa?
LG: Foi em 2003, quando terminei uma temporada no exterior e resolvi voltar à França. Antes do meu pai fechar novamente, comprei a casa e tomei à frente do negócio. Nosso jeito de trabalhar mudou e está bem diferente. A população de Narbonne hoje frequenta o La Table e me chama de Estrela Popular, pelo preço dos pratos.



Choco Choquant, criação de Giraud que junta chocolate, morango e sorvete de pimentão


GDS: Por que defender a democratização da gastronomia?
LG: Os jovens consomem mal as refeições no seu cotidiano, contribuindo para problemas de saúde, como colesterol e outros. Somos o que comemos e se nos exercitamos, corremos e brincamos no nosso dia a dia, isso estimula a uma boa alimentação. É possível um jovem se alimentar bem por cinco euros, o quanto ele comumente gasta num lanche de uma rede de fast food. Com esse dinheiro, é possível comprar uma boa baguete, um bom queijo, um bom presunto, rodelas de tomate e molhos. Tudo por menos de cinco euros.

GDS: Essa lógica é válida para os fast foods. Como ficam os grandes restaurantes que não trabalham pela democratização da gastronomia?
LG: Os restaurantes precisam descobrir que é possível oferecer bons ingredientes, bons profissionais e uma bela embalagem e manter a sedução pela comida para todas as pessoas sem ser excessivamente caros. O trabalho de um chef é fazer cozinha de todos os jeitos, seja um belo jantar com conceitos da cozinha molecular e até um sanduíche. Por isso, penso que é necessário fazer gastronomia para todas as pessoas e transmitir uma sensação de prazer ao ato de se alimentar.

GDS: O fast good é um movimento da gastronomia? Outros chefs seguem a mesma orientação?
LG: É um movimento coletivo, principalmente entre chefs da nova gastronomia francesa, uma geração interessada em democratizar uma cozinha até então reservada a uma elite e que deixa de fora a maioria das pessoas, principalmente os jovens. É importante utilizar a gastronomia para seduzir toda a população, incluindo as classes mais pobres. Para mim, isso é fazer um bom trabalho. A alimentação é algo passageiro, é um bom momento, e por isso, importante de ser curtido, apreciado. Se alimentar é algo muito íntimo, é como o sexo. E dividir esses momentos com a maioria da população me interessa. São chefs como Thierry Marx, Erick Guerin e Pierre Auge, todos na casa dos trinta e quarenta anos que fazem a nova gastronomia, mas que pensam na importância da difusão desse conhecimento.

GDS: O que você pensa da sua cozinha e o que espera do futuro?
LG: Minha cozinha é um grande laboratório, onde faço as fotos dos pratos, repasso as fichas técnicas e ponho no meu restaurante. Essa é a forma de fazer dessas criações imortais. As questões materiais e a dimensão artística da minha cozinha andam juntas. Agora, o futuro eu não sei. O La Table é o meu restaurante, não é uma cozinha de hotel ou de um grande estabelecimento aonde você vai, faz o seu trabalho e volta. O La Table é o meu sustento e de outros. É necessário pagar os 14 funcionários, as contas e resolver todo o tipo de problema. Hoje participo desse festival, mas meu restaurante está funcionando, tive de deixar todos com instruções a serem cobradas pelo segundo chef. É difícil pensar o futuro se no presente todos os dias são tão diferentes uns dos outros. Meu sonho é ter mais tempo de lazer para jogar tênis. Já cheguei a passar 16 horas na cozinha em um único dia. Essa é a minha vida, mas meu sonho é estar na cozinha por duas horas e aproveitar um pouco mais.

Atualizado em 7 Ago 2012.