Guia da Semana

Por Bruno Cesar Dias

Ele decora, junto com o guaraná, as armas nacionais. Mas é de (ainda) pouco tempo a paixão do brasileiro pelo café. Não que nós não gostemos dessa bebida estimulante e aromática, pelo contrário. Ela sempre foi consumida na casa grande e na senzala e está presente no cotidiano nacional, seja na pausa do trabalho ou ao final de qualquer celebração. No entanto, a política exportadora do passado deixava aqui as piores sacas.

A realidade começou a mudar a partir de 1989, quando programas de monitoramento e certificação foram implementados. O resultado é colhido agora: o acesso e a qualidade do consumo brasileiro de café estão aumentando. No final do ano passado, a saída bateu a marca de 4,8 quilos por pessoa, algo próximo a 81 litros ao ano para cada brasileiro, ultrapassando França e Itália, e perdendo apenas para Alemanha e países nórdicos.

A informação é da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), divulgada no estudo "Indicadores da Indústria de Café no Brasil/2010 - Desempenho da Produção e Consumo Interno". O levantamento abarca tanto o consumo doméstico, majoritariamente representado pelo café comum torrado e moído, como os tipos superior e gourmet, apreciados principalmente nas xícaras de espresso em cafeterias e restaurantes.

"Todas as categorias apresentaram crescimento, desde o tipo tradicional até os superiores e gourmet. Esses foram os verdadeiros responsáveis desse aumento, pois, vem crescendo e muito seu consumo, nas casas que já compram para uso diário e, principalmente, como espresso", explica Nathan Herszkowicz, diretor executivo da Abic. O segmento de das xícaras fumegantes registrou alta de 15% a 20% no ano de 2010.

Terroir nacional

Fazer o consumidor deixar o antigo copo de água preta de lado e trocá-lo por um bom espresso não foi tarefa fácil. Há cerca de dois anos, a Associação investiu em certificar a qualidade do café produzido e consumido em território nacional. "Para além do selo de pureza, lançado em 1989, o selo de qualidade vem reforçar o Programa de Qualidade do Café (PQC), buscando destacar as características de cada região produtora em embalagens e sabores", comenta Herszkowicz.

Assim como o vinho e o queijo, o café é um produto de terroir. Ou seja, sua qualidade final está diretamente relacionada não apenas à espécie cultivada, mas também a aspectos externos (qualidade do solo, de clima e de altitude, quantidade de chuvas, uso de defensivos) e ao manejo de produção (qualidade da torra e moagem). Atualmente, o Brasil tem 16 áreas de origem demarcadas, tanto para a espécie Coffea arabica, a que oferece cafés com uma palheta de sabores, aromas e odores mais extensa, e também de Coffea canephora, com menores qualidades organolépticas. Alta Mogiana, Matas de Minas, Cerrado Baiano e Montanhas do Espírito Santo são algumas delas.

Aprendendo no balcão

Outros especialistas vão além. "Para a apreciação adequada da bebida, é importante entendê-la como um produto de safra, que muda a cada ano", destaca Ensei Uejo Neto, especialista no assunto e membro da SCAA (Specialty Coffee Association of America). Para realizar esse trabalho, o especialista optou por trabalhar apenas com micro-lotes de cafés especiais, nos quais há o total controle sobre a planta, da luz ao PH do solo.

Além das condições anteriores à retirada do grão e o manejo, Ensei Neto destaca a extração da bebida como fundamental para um resultado de qualidade. "Daí a importância do barista, o profissional responsável pela extração da bebida em sua melhor performance. No entanto, ele também precisa compreender que o café está dentro de uma relação complexa de comer e beber, nunca sozinho", frisa.

Transmitir informações de gosto não é apenas dizer quais cheiros estranhos uma rolha tem. Por isso, uma das atividades desenvolvidas por Ensei é ampliar os horizontes dos baristas em cursos que apresentem o universo do café relacionado ao do vinho, queijos e pratos. "É no contato com o cliente final o momento onde se deve investir em formação de público, educando-o e sofisticando-o para apresentar-lhes produtos cada vez melhores", finaliza Ensi Neto, mostrando que há muito mais coisa dentro dessa xícara.

Um bom espresso é feito de...

Um bom grão: dentro do pacote, diversos tipos de grãos vêm misturados. Após o processo de seleção, eles são moídos e torrados juntos, compondo assim o blend do produto. As melhores xícaras são da espécie Coffea arabica.

Uma boa água: o ideal é extrair a bebida (daí espresso, do verbo italiano espremere) água mineral sem gás. Já há máquinas no mercado que permitem a regulagem do vapor, proporcionando, por exemplo, uma bebida suave (muita água na primeira parte da extração), porém com fundo adicicado (redução do fluxo).

Uma boa louça: Pode parecer besteira, mas o fato de a louça ficar ou ter sido escaldada ajuda muito, pois mantém por mais tempo a temperatura do líquido e te auxilia.

Um bom barista: Encarregado da extração da bebida, esse profissional do balcão é responsável por controlar pressão, quantidade de pó, qualidade do creme da borda, oferecendo um café de ótima qualidade.

Sem qualquer adição de açúcar ou adoçante: O tema é polêmico e rende várias piadas e ditos populares. No entanto, elementos de sabor mascaram a doçura natural da bebida, podendo inclusive alterar completamente a percepção de gosto. Mais uma vez, o costume faz o monge, e, após as primeiras caras feias, será possível distinguir as notas doces, ácidas e amargas com melhor facilidade, melhorando a experiência de consumo.

Por Bruno Cesar Dias

Atualizado em 7 Ago 2012.