![]() |
Frutas do mal: elas aparecem em boa parte das lendas culinárias |
Em um Brasil antigo, anterior à colonização, as mulheres virgens tinham privilégios na cozinha. Simplesmente porque ainda não tinham iniciado a vida sexual, elas eram responsáveis por mascar a mandioca brava e, assim, dar continuidade ao processo de fermentação de uma primitiva bebida alcoólica. Quando estavam menstruadas, no entanto, as mesmas mulheres eram afastadas da culinária, pois o sangue perdido tinha uma intrínseca relação com o humor e, conseqüentemente, com o equilíbrio da comida que seria ingerida mais tarde por toda a tribo.
Séculos se passaram depois do surgimento dessas tradições, mas, mesmo assim, algumas delas permanecem vivas no hábito alimentar brasileiro. A explicação para elas sobreviveu em poucos escritos de pesquisadores quinhentistas - como os holandeses Theodore de Bry e Hans Staden, que registraram esse tipo de costume em gravuras e relatos -, e, em sua grande parte, se perdeu. Porém, tal fato é, na verdade, um mero detalhe para quem ouve desde criança que é preciso cortar a ponta do pepino para retirar o veneno que o legume possui nessa região, por exemplo. "Lembro da minha avó fazendo isso e nunca deixei de segui-la. É sagrado: corto a pontinha do pepino, a esfrego no próprio corte, jogo fora essa lâmina que encostou no veneno e só então continuo a trabalhar com ele", diz a chef Mara Salles, do brasileiríssimo Tordesilhas, em São Paulo.
![]() |
Colher dentro de panela cheia: cruz credo! |
Algumas dessas tradições já estão tão arraigadas à história brasileira que, às vezes, é difícil saber até que ponto são lendas ou não. É o caso da ordem correta de se adicionar o tempero a uma receita. "A técnica tradicional de culinária diz que devemos colocar primeiro a cebola e depois o alho na panela. Mas no Brasil, tem-se o costume de fazer o contrário, desde sempre", lembra Mara, que também não se atreve a misturar manga com leite em nenhuma de suas criações - mesmo que seja em casa. "Não faço e não como manga com leite de jeito nenhum. Sei que existe uma explicação histórica para essa lenda, mas eu não ouso mudá-la".
Comer banana dá pesadelo?
Assim como a chef, muita gente descarta a manga com leite do cardápio por acreditar que faz mal - da mesma maneira que, reza a lenda, comer banana durante a noite pode provocar uma série de pesadelos no decorrer do sono. A nutricionista Fátima Nunes, especializada em bioquímica, dispensa qualquer uma dessas superstições. "Na época dos engenhos, os senhores inventaram essa história de que manga com leite faz mal para os escravos não se aproveitarem das fartas mangueiras. Hoje, isso tudo não tem nada a ver e a pessoa pode ficar com carência nutricional se acreditar em todas essas lendas", diz ela.
![]() |
Assuntos chatos perto do fogão atraem o coisa ruim |
De simples fatos pontuais, alguns acontecimentos naturais sofreram ao longo do tempo uma espécie de generalização. Essa repercussão popular atingida por alguns males - como a doença alérgica provocada pelo camarão, por exemplo - é a responsável por transformar os achismos em crenças, obedecidas e cultuadas em todo o Brasil. Embora a maioria seja proveniente de suposições sem comprovação, alguns desses tabus têm lá sua relação real com a saúde. "Evitar tomar banho depois de comer tem um fundamento. Quando a pessoa consome um prato pesado, seu sistema circulatório gasta mais oxigênio para ingerir as proteínas e, assim, o fluxo de ar fica dificultado. Se a pessoa está se movimentando muito durante o banho, o risco de uma indigestão é real", analisa Fátima.
Por isso, é melhor tomar banho ou nadar apenas depois de fazer uma refeição leve, sem exageros. Nos demais casos, o que vale mesmo é a fé na mandinga e a aposta em uma das máximas da nutricionista. "Pense que esses tabus são como chaves e nós, as fechaduras. As chaves até podem ser iguais, mas nós somos bem diferentes", conclui ela.
Yo no creo en brujas, pero... |
Fotos: www.morguefile.com
Atualizado em 7 Ago 2012.