Guia da Semana

Por Viviane Aguiar



Quando chega outono na região de Alba, no Piemonte italiano, é tempo de alegria para os caçadores de trufas brancas - fungos usados como uma espécie de "tempero" sobre pratos requintados, também conhecidos como tartufo bianco. Esses senhores experientes saem à noitinha de casa, levando consigo o faro aguçado de seus cães treinados. São eles os responsáveis por rastrear o local exato onde os "trufaios" devem cavar um delicado buraco para alcançar as iguarias, escondidas a 20 ou 25 cm abaixo do solo. Somente depois disso é que elas são comercializadas, praticamente no boca a boca, com as famílias da região, restaurantes e alguns lugares do mundo.

No Brasil, elas desembarcam com a bagagem de chefs e gourmets que viajam para a Itália nessa época do ano já com a intenção de satisfazer seus poucos apreciadores nacionais. Isso porque um quilo de trufas brancas pode custar 4.500 euros e não há pechincha que tire delas o sentido épico e raro que lhes rende o valor altíssimo. "Não existe importador oficial aqui, mas se existisse, o quilo das iguarias chegaria a R$ 12 mil", diz o chef italiano Franco Bonandini que trouxe as trufas brancas para um breve festival no Piselli, em São Paulo.

Festival de trufas Chakras
Restritas ao orçamento de poucos restaurantes, as trufas brancas fariam com que os pratos das temporadas que pipocam na capital paulista nesta época fossem degustados por, em média, R$ 500,00. Para não afastar o público - que já especializado - as casas oferecem suas receitas acompanhadas de raspas de alguns gramas dos fungos por R$ 200,00 ou um pouco mais dependendo do prato. "Não vamos ganhar dinheiro com esse festival, não dá para ter lucro. Aliás, é pelo contrário. Mas a satisfação é trazer as iguarias para os clientes, que dificilmente terão a chance de conferi-las em outro local", diz o chef.

Segundo ele, o uso de trufas, essa espécie de cogumelo com sabor delicado e aroma imponente, na gastronomia é antigo, com até dois mil anos de idade. Tamanha tradição, no entanto, deve-se ao consumo das trufas negras e de outras variedades - que até são semelhantes às brancas, mas não possuem a mesma raridade, intensidade de sabor e de cheiro, além de poderem ser levadas ao fogo por não terem a mesma característica delicada delas. "Em uma suposição, se as negras custarem R$ 100,00, as brancas valerão R$ 1 mil. Essas últimas devem ter sido descobertas há cerca de 200 anos e só vieram ao conhecimento do mundo depois da I Guerra Mundial", explica Franco.

A Ferrari das trufas
Além de brancas, as mais intensas e finas trufas são da região de Alba. Por não serem cultivadas, mas aparecerem espontaneamente em terrenos ideais a elas, essas iguarias chegam a figurar em outras partes do mundo, como a Toscana e a Eslovênia. "Não é que as outras sejam falsas, mas a diferença está na intensidade de sabor e de cheiro, que são únicos nas brancas. A diferença é tão grande quanto tomar um Cabernet Sauvignon de Bourdeaux, onde a uva tem seu melhor terroir, e outro do Rio Grande do Sul", diz o chef Mauro Maia, que trouxe pela primeira vez as trufas brancas ao cardápio de um festival no paulistano Supra.

Festival de trufas
da Osteria Don Boseggia
A frase "as de Alba são a Ferrari das trufas" também é dele, que diz se preocupar com a confusão existente entre o conceito de ambas as trufas. Diferente do carro, o prazer de degustar esses ingredientes é suave e quase momentâneo, já que apenas algumas raspas de cerca de 10 a 13 gramas deles são sentidas no prato. "Cozinhar a trufa é um sacrilégio. Ela deve ser ralada em cima do prato na hora de servir, com o fatiador regulado para que saiam raspas muito finas", explica Mauro. No Brasil, essas raridades, conhecidas até como diamantes da cozinha, entraram para o mercado gourmet há pouco tempo.

"Acredito que foi o chef Danio Braga, da Locanda della Mimosa, em Petrópolis, o primeiro a usá-las em um restaurante no Brasil. Isso aconteceu há menos de 20 anos", afirma. Delicadas, as iguarias também devem ser "comidas com o nariz" e, portanto, combinam bem com pouco tempero, um toque de alho, gemas de ovos, batatas, polentas, vegetais como a alcachofra e os aspargos, algumas massas e queijo Fontina. Tudo muito leve para não brigar com a frescura das trufas. "O talharim feito só com gema de ovos na manteiga é uma harmonização clássica entre elas", afirma o chef. Vinhos de sua região na Itália, como o Dulcetto D´Alba, Barbaresco e Barolo, formam também as melhores compatibilizações.

Trufas negras do Piselli
Quem não tem trufa branca...
Apreciada por pessoas abonadas e personalidades como o escritor americano Ernest Hemingway, a trufa branca de Alba é definitivamente um prazer para poucos - bem poucos, por sinal. Além de só concordarem em aparecer em uma região do mundo, por um período fixo do ano, elas têm especificidades que só são verdadeiramente apreciadas por paladares treinados na alta cozinha. "Ela é única. Não tem nenhuma propriedade nutricional, mas o que isso importa? Ela é boa demais", suspira Mauro Maia.

Para ter uma leve noção do que significa experimentar a verdadeira trufa de pedigree, existem o azeite trufado e a pasta de trufas brancas. Vendidos em empórios e lojas gastronômicas das grandes cidades, elas também não tem um preço muito doce - a pasta chega a custar R$ 800, o quilo - mas duram bastante. Apenas uma colher de chá dessas iguarias pode proporcionar uma sensação próxima da degustação do fungo in natura. "Mas, obviamente, é industrializado. Mesmo assim, não deve ser levado ao fogo e só pode ser colocado depois do prato cozido", alerta o chef.

Vida de Trufa

  • Elas nascem a cerca de 20cm abaixo do solo, nos terrenos cinematográficos, úmidos e com clima de névoa da região de Alba, na Itália.
  • São vendidas a preço de diamantes e tratadas com o maior cuidado do mundo.
  • Dão as caras apenas uma vez por ano, na temporada que vai de setembro a novembro.
  • Freqüentam apenas cozinhas de restaurantes caros do mundo.
  • Nunca vão para a panela e apenas servem quem realmente as ama.



  • Caia em tentação...

    Chakras
    Festival de trufas: de 7 a 15 de novembro
    Rua Dr. Melo Alves, 294, Jardins
    Fone: 3062-8813 / 3082-3493

    Osteria Don Boseggia
    Festival de trufas: de 21 a 24 de novembro
    Rua Diogo Jácome, 591, Vila Nova Conceição
    Fone: 3842-5590

    Piselli
    Festival de trufas: de 10 a 15 de novembro
    Rua Padre João Manuel, 1253, Jardins
    Fone: 3081-6043

    Supra
    Festival de trufas: de 9 a 12 de novembro
    Rua Araçari, 260, Itaim Bibi
    Fone: 3071-1818

    Vinheria Percussi
    Festival de trufas: as trufas podem ser compradas no local por R$ 24,00 a grama
    Rua Cônego Eugênio Leite, 523, Jd. América
    Fone: 3088-4920

    Atualizado em 7 Ago 2012.