Guia da Semana



Uma ceia de final de ano só está completa com bons vinhos. A bebida é nobre desde a Antiguidade, mas faz pouco tempo que ganhou penetração qualificada e conhecimento nas mesas brasileiras. O país, que até o início dos anos 1980 tinha apenas os alemães da garrafa azul como exemplo de bom vinho branco e poucas opções nacionais de tintos de qualidade, hoje produz mais de 450 rótulos e tem acesso regular a milhares de marcas importadas de todas as procedências.

Tamanha diversidade só vem colaborar a apreciação da bebida de Baco com pratos e ingredientes mundiais unidos no que chamamos cozinha brasileira. As ceias de Natal e Ano Novo são a síntese desse processo. Onde mais aprecia-se numa mesma noite bacalhau, panetone, frutas tropicais e lentilhas francesas? Somente no Brasil!

Para facilitar a vida dos iniciantes neste universo, o Guia da Semana conversou com Euclídes Penedo Borges, presidente da Associação Brasileira de Sommeliers (ABS), e o sommelier Antônio Jardim, do restaurante P. Verger, do Sofitel Ibirapuera, para montar este pequeno manual e ajudar a aproveitar ainda mais os buquês e aromas dessa bebida universal.

Em harmonia



O vinho é uma bebida viva, pois continua seu processo de fermentação quando engarrafada. Além desse aspecto, ela é capaz de ressaltar - ou esconder - qualidades quando combinada com outros elementos, principalmente comidas.

"Um vinho forte faz o sabor de um prato leve, como uma salada de camarão, sumir, assim como um cordeiro assado com molho de especiarias sobrepõe-se ao sabor de um vinho leve e jovem, tornando inócuo", comenta Penedo Borges, também autor do livro Harmonização: o livro definitivo do casamento do vinho com a comida.

Para aproveitar o máximo daquilo do que os vinhos oferecem, há certas escolhas consagradas. São as regras de harmonização, propondo combinações que propiciam ambos produtos. Mas o mestre frisa: pode-se harmonizar comida e bebida como bem entender - mas é bom saber que existem opções testadas e estudadas mundialmente. Vamos a elas.

Princípios básicos:

Todo o princípio da harmonização avalia a relação entre o peso da comida, seus processos de preparo, temperos e molhos com o corpo do vinho, comumente avaliado pelo aroma, buquê (odor) e concentração etílica. A maioria das harmonizações é feita por semelhança. Ou seja, escolhe-se um vinho que tenha elementos que valorizem determinado aspecto do prato, e vice-versa.

Um bom exemplo são os vinhos brancos, feitos apenas com a extração do caldo de uvas, sem a casca. De alta acidez, são vinhos que "enchem" a boca de saliva, ajudando na apreciação de carnes mais secas, como aves e peixes pouco gordurosos. Já um vinho tinto maduro, com mais de 10 anos de garrafa, suaviza e ressalta a gordura de carnes como lombo bovino, filé mignon ou ingredientes como o molho de tomate.

Vinhos tintos



Eles representam por mais de 85 % do mercado nacional. Não seria para menos, pois são vários tipos de uvas viníferas. A casca dá a cor à bebida e libera o tanino, substância responsável por aquela sensação particular do vinho "pegando" na língua e garganta e agente promotor de saúde.

Segundo o sommelier Jardim, é possível fazer uma escala entre vinhos e pratos. Quando jovem, o vinho tinto é mais ácido e tem menos tanino. Com o tempo de armazenamento, a acidez reduz, o tanino fica mais aparente e "macio" e o teor alcoólico fica mais equilibrado. O processo é encerrado com o envelhecimento da bebida, quando o tanino fica excessivamente forte e a bebida sem acidez nem álcool, com gosto de velha.

Os tintos mais jovens harmonizam com carnes leves, incluindo peixes como tambaqui, alguns preparos de salmão e de bacalhau. Já os de tempo médio combinam com carnes mais fortes, como coelho, codorna e pato. E as carnes vermelhas, como cordeiro e cortes bovinos, com vinhos com bom tempo de adega.

O sommelier ressalta que certas harmonizações levam mais em conta os molhos e preparos utilizados que os tipos de carne. Nessa hora, as diferentes uvas viníferas fazem diferença.

Pinot Noir e Gammay: As safras mais jovens feitas com essas uvas têm sabores frutados como caracaterística. Indicadas no serviço de aves com molhos adocicados, como um Peru com molho de mel e Pato laqueado e preparos de peixes gordurosos, como Bacalhau à Zé do Pipo, Costela de tambaqui.
Sugestões de rótulos: o chileno Amaya Pinot Noir e o francês Boujulais Village (assemblage de Pinot com Gammay)



Merlot: Uva muito apreciada por juntar corpo médio e sabores jovens, pouco tânicos. Cai bem com carnes suínas em molhos adocicados ou agridoces, como Tender, Pernil e também com preparos de bacalhau oleosos e fritos - o famoso bolinho. Também indicado para legumes e grãos de sabor extremamente marcados, como a lentilha.
Sugestões de rótulos: Clarindelle Rouge, da região de Bordeaux (assemblage) e o chileno Monte Alfa

M
albec: Produz vinhos mais encorpados que as anteriores, mas não tão concentrados como uma Cabernet. Encontra-se, em média, rótulos que unem tons frutados, como a ameixa, e madeira. A sugestão é aproveitar garrafas jovens, de um a dois anos, para combinar com presunto e embutidos e as de idade média, entre quatro e cinco anos, em harmonizações com carnes mais estruturadas, com um Carré de cordeiro ou Filé Mignon ao molho Madeira.
Sugestões de rótulos: os argentinos Angelica Zapata 2004 e Penedo Borges Malbec Reserva 2007

Cabernet Sauvignon: É a uva que apresenta maior variedade de combinações. O resultado depende da idade da safra, armazenamento na vinícola, terreno, entre outros fatores. As de corpo médio, com forte frutado e sem madeira, são indicadas para massas com um suculento molho de tomate. As safras mais maduras ressaltam a gordura da codorna, do pato, e principalmente a do cordeiro, sua melhor harmonização.

Sugestões de rótulos: chileno Enfiera 2004 para massas com molho de tomate; o francês Tours de Mireambeau 2005 e o argentino Penedo Borges Cabernet Sauvignon 2007

Vinhos brancos



Leveza e acidez são as marcas desses vinhos, comumente consumidos jovens, com até seis anos de garrafa. A casca de uva (ou mosto) não entra no preparo da bebida, logo não possuem tanino.

Naturalmente, os pratos que os acompanham também serão leves, indo de saladas, peixes pouco gordurosos e até parte de aves extremamente secas e sem molho, como o peito de peru. O vinho escolhido deve entrar na composição dos molhos desses pratos. E atenção: sal e molhos utilizando limão, especiarias fortes e vinagre, além frutas extremamente ácidas como abacaxi e laranja não combinam de jeito nenhum com vinho. Para acompanhá-los, água e sucos naturais.

Sauvignon Blanc: Extremamente leve e ácida, é a uva que mais apresenta tons florais. Seus vinhos vão bem com saladas, frutos do mar em geral, peixes de carne clara, como o linguado, e quichês de queijos brancos.
Sugestões de rótulos: o francês Moscade Fevre Maine

Chardonnay: Mais estruturada e forte que a Sauvigon Blanc, esta uva produz vinhos semelhantes, que com o tempo ficam quase amarelos, principalmente os armazenados em tonéis de madeira. Seus vinhos são apropriados para peixes de carne tenra, como Salmão ao forno, quiches de queijos amarelos, massas com molho bechamel (mais conhecido como molho branco) e pratos com molhos semelhantes.
Sugestões de rótulos: o francês Willian Fevre, com uvas da Borgonha, e o italiano Beni di Batasiolo Serbato

Espumantes e vinhos de sobremesa

A principal diferença entre vinhos brancos e espumantes são os processos de fermentação, fazendo do espumante um vinho gaseificado e com açúcar concentrado. Já os vinhos de sobremesa são elaborados, comumente, a partir de vinhos comuns, sejam brancos ou tintos, recebendo mais álcool e outros ingredientes. Um exemplo são os vinhos do Porto.



Espumante doce: Rica em açúcares na sua composição, é a mais doce das espumantes. A mais consumida é a espumante de estilo asti, de origem italiana, é ideal para frutas.


Espumante Demi-sec:
Com um pouco menos de açúcar, acompanham sobremesas com forte presença desse ingrediente, como pavês, panetones e frutas

Espumante brut: A mais seca dentre as três bebidas. É o vinho de boas vindas, indicado para abrir qualquer recepção e acompanhar canapés, entradas de salmão e camarão ao vapor.


Moscatel: Uva branca muito utilizada para vinhos de sobremesa, densos e de sabor pronunciado. É parceira ideal da rabanada.

Banyuls e Vinho do Porto do tipo Tawny: São vinhos de sobremesa tintos, extremamente licorosos e doces. São indicações para quaisquer preparos de chocolate.

Atualizado em 7 Ago 2012.